quarta-feira, novembro 29, 2017

Joana, Joana, Joana, Joana...
- original soundtrack -

(...)
If you're so funny
Then why are you on your own tonight?
And if you're so clever
Then why are you on your own tonight?
If you're so very entertaining
Then why are you on your own tonight?
If you're so very good looking
Why do you sleep alone tonight?
I know because tonight is just like any other night
That's why you're on your own tonight
With your triumphs and your charms
While they are in each other's arms
(...)

(I know it's over, The Smiths)



- o carteiro -

quem tem amigos, não morre sem ter o que ler





- o carteiro -

Li quase tudo que havia para ler do Eça: A Relíquia, Os Maias, A Ilustre Casa de Ramirez, A Cidade e as Serras, O Mandarim, Conde de Abranhos, A Capital, o Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio, O Mistério da Estrada de Sintra, os contos, Alves e Cia, e até as Vidas de Santos. De uns gostei (A Relíquia, Os Maias, A Cidade e as Serras), de outros nem por isso (A Ilustre Casa de Ramirez, Mistério da Estrada de Sintra)... Sempre me admirei que não se celebrasse mais a obra de Eça. Sempre me admirei que a maior parte das pessoas com quem privava achasse Eça "uma seca". Eu acho uma delícia e apesar de pensar que um escritor escreve sempre o mesmo livro, não penso isso dos livros do Eça. Poderíamos, é claro, associá-los e categorizá-los:
- Os Maias e a Ilustre Casa de Ramirez - sagas familiares;
- A Capital, O Crime do Padre Amaro e A Relíquia - o tipo que acha que a sociedade o injustiça (neste âmbito A Capital assemelha-se muito às Ilusões Perdidas de Balzac: rapazes da província que se sentem especiais e cujas famílias se endividam para os mandar para a urbe em busca de glória e dinheiro. Os moços não conseguem vencer em parte porque se tornam hedonistas, em parte porque estão formatados para modelos estéticos bacocos, vivem entre o amor de uma prostituta e a protecção de uma grande dama e acabam por regressar sem glória e sem dinheiro ao lar que os viu partir, maldizendo tudo excepto o seu orgulho e preguiça.)
- O Primo Basílio e Madame Bovary de Flaubert (o adultério sob o ponto de vista de uma mulher)

A Cidade e As Serras é porém incomparável com qualquer outro por abordar uma questão que não se prende com a política, nem com as relações amorosas, nem com o talento individual, as questões do génio, a religião, a corrupção... enfim, o que é habitual em Eça. A Cidade e as Serras fala de um certo cansaço que a vida moderna nos causa, fala de um fastio das coisas, de um regresso à natureza, às origens, ao essencial. As serras de que Eça fala no livro existem e estão hoje assinaladas - ainda que pobremente. Num destes dias ali na M581, em Abelhal, de sapatilhas e leggings, fiz-me à estrada para ver os caminhos de Jacinto. Obviamente perdi-me pois ia mal preparada: sem água, telemóvel e com um mapa muito incompleto. Pensei às tantas, entre Sequeiros e Favais, que ali seria um óptimo sítio para ser violada, morta, desmembrada e atirada aos cães agrilhoados a correntes curtas e pesadas. Improvisei xixis no mato, meti-me por caminhos sem saída, perguntei em povoações qual a melhor rota... Em Favais, uma pequena multidão curiosa, abeirou-se de mim e duas senhoras comentavam:
"é pequenina, mas jeitosinha". 
E isto, à falta de um mapa, deu-me vontade de continuar até à EN 108 em Paredes de Cima, seguir para Agrelos e voltar a Enxames, passando ao lado da Fundação Eça de Queirós por falta de cartão de crédito. Muito bem preparada, portanto. O que vi foi um pedaço desses caminhos percorridos por Jacinto - percorridos por Eça, na pessoa de Jacinto. Caminhos em que as ramadas gordas e desordenadas tombam para a estrada e as uvas se esborracham no chão, currais em ruínas de onde de ouve o mugido de uma vaca, casas em locais improváveis e com brasões escaqueirados, pequenos farrapos de cortinas bordadas e voar de uma janela partida, gente muito pobre que espera com avidez a chegada da carrinha do pão, gente muito rica que se protege em casas de revista nos pontos mais altos "das serras", pacotes de "Planta" a fazer de vasos para "Espadas de São Vicente", uma ou outra fonte com o seu fiozinho de água da praxe a chorar na sombra. Enfim, uma delícia. 

segunda-feira, novembro 27, 2017

- original soundtrack -




















He left no time to regret
Kept his dick wet
With his same old safe bet
Me and my head high
And my tears dry
Get on without my guy
You went back to what you knew
So far removed from all that we went through
And I tread a troubled track
My odds are stacked
I'll go back to black

We only said goodbye with words
I died a hundred times
You go back to her
And I go back to
I go back to us
(...)

(Back to black, Amy Winehouse)

- não vai mais vinho para essa mesa -
- o carteiro -

Pois é... pois é... Um destes dias estava a falar com alguém que, no seguimento daquela conversa, me disse "as relações amorosas são muito complicadas". Ao que eu pensei "mas toda a gente quer ter uma!". Milhares de anos de homo sapiens e continuamos a consultar os astros, as cartas, as borras de café e os amigos para percebermos um pouco do que é o amor. Nem sempre foi assim. Nem sempre o amor teve a importância que tem hoje. Todos o sentiram, com ou sem mensagens no telemóvel, com ou sem casamento, com ou sem postais ilustrados. Mas ele não era condição sine qua non para uma relação. Aliás, o amor e a paixão estavam fora dessa instituição onde sobressaíam interesses económicos e relações de poder, que era o casamento.

O amor - com acções que hoje consideramos serem dignas de aplicadas ao amor - surgiu na Idade Média germânica, onde a mulher gozava de outro estatuto, e no seguimento do culto da Virgem (que dava à mulher outros papéis que não somente o de procriadora. Acredite-se ou não, o culto do Virgem fez alguma coisa pelas mulheres, numa altura em que o papel delas na sociedade romana tinha sido esquecido). E foi a cavalaria que proporcionou essa veneração - não respeito nem paixão, mas veneração, o que é diferente - pelas mulheres. As mulheres da Idade Média viviam oprimidas pelos casamentos que não desejavam, pelos maridos que lhes batiam e pelas famílias que as controlavam. Veja-se o que Brunilde diz a Hagen na Canção dos Nibelungos, a propósito de Siegfried: "Sofri por isso muitos males / Pois, por castigo, me macerou o corpo". Mesmo as mulheres da corte eram controladas. Da família às roupas, tudo era opressão. Na corte espanhola de Filipe II a etiqueta era tão apertada que a mulher não podia sorrir ou olhar pela janela sem ser avisada pela camareira-mor das faltas que uma dama da corte não podia cometer. Mesmo as damas de honor tinham quem as vigiasse. Era a guardadama que, tal como as damas de honor, era virgem ou viúva. Nenhuma mulher casada podia servir uma grande dama espanhola. Havia galanteadores oficiais, claro, solteiros ou casados, jovens ou velhos e cujo propósito era tornar a existência daquelas almas, mais suportável. Os galanteadores oficiais podiam ver as damas em ocasiões especiais - quando estas se mostravam fora do palácio. Fora dessas ocasiões, vagueavam pelo exterior do palácio à espera que a dama surgisse à janela e aí estabelecia-se uma comunicação gestual entendida pelos dois apaixonados.

Os homens nobres possuíam terras e combatiam. Quando não havia o que combater, era nobre dedicarem-se a damas. Um cavaleiro sentia-se mais digno de si, se fosse considerado um serviteur d'amour do que um guerrilheiro. Era um jogo ridículo que ambas as partes jogavam muito bem: elas desprezavam-nos, exigiam sacrifícios físicos e provas de amor inimagináveis sem lhes darem garantias do que quer que fosse; eles faziam todos os sacrifícios só para lhes tocarem a orla do vestido e podiam viver uma vida sem ver o seu esforço reconhecido. Debatiam-se com outros homens em duelos, vestidos por vezes somente com a camisa da dama que representavam (elas davam-lhes amuletos que eles penduravam nas lanças e nos cavalos e que, por vezes, vestiam. Chamavam-se faveurs ou emprises d'amour.  Geralmente a camisa era vestida por cima da armadura, mas quando a dama exigia que o cavaleiro fosse só com a camisa para a liça, que remédio! Era morte quase na certa, mas alguns devotos não deixavam fugir um desejo da dama), escreviam-lhes versões e com sorte (ou azar, depende da prespectiva), poderiam ter como horizonte voltar a vê-la, voltar a falar-lhe, se regressassem com vida de batalhas ou das Cruzadas. Não eram relações proibidas, mas antes aceites pelas comunidades e fomentadas até pelos maridos das belas damas, maridos esse que poderiam venerar outra dama, também ela casada. As solteiras eram vistas como fraco investimento. Não era no entanto um jogo sem regras. Havia fases própria que, um cavaleiro que pretendesse dedicar-se a uma dama, tinha de superar. Eram elas:
- Feignaire: primeiro momento em que o cavaleiro não revelava os seus sentimentos;
- Pregaire: segundo momento em que o cavaleiro revelava à dama o que sentia;
- Entendaire: terceiro momento que correspondia à aceitação, por parte da dama, da devoção que o cavaleiro lhe dedicada. Alcançado este estatuto, o cavaleiro tinha de dedicar-se a um período longo em que fornecia provas à sua amada. Após isto e caso esta as aceitasse, o cavaleiro tornava-se seu servieur. Tudo isto estava revestido de aspectos típicos da vassalagem da Idade Média, tanto que a cerimónia em que a dama aceitava o seu servieur e este jurava servi-la, era uma cerimónia pública. Nela, ele ajoelhava-se perante a sua senhora, colocava as mãos como que em oração e ela ía buscá-lo tomando as mãos dele nas suas e beijando-o. A propósito disto, ver Mosche Barasch e o livro "Giotto e a linguagem do Gesto". Entre as provas que o homem tinha de apresentar à dama, estavam - é claro - os versos e as cartas em que a Bela é tratada quase como Nossa Senhora nas Litanias. Ora vejamos:
Litanias da Virgem:
- Espelho da Justiça,
- Vaso espiritual,
- Rosa mística,
- Torre de marfim...
Títulos das damas da Idade Média:
- Espelho do Amor
- Rosa de Maio,
- Fonte de Felicidade,
- Doçura do Mel...

É pois assim que nasce o amor romântico, embora este não tivesse nada do romantismo que hoje conhecemos pois era unilateral e nem sempre havia sentimentos envolvidos a não ser o sentimento de obrigação do homem face à mulher. Com o tempo o amor romântico assim praticado foi tomando outra forma, já que os cavaleiros foram exagerando: por vezes surgiam para os torneios vestidos de forma que tornava impraticável o confronto, como por exemplo, com os olhos vendados ou armados de braceletes de ouro até aos cotovelos. Isto atingiu um tal nível, que em determinado momento, toda esta instituição admitiu a Beiliegen auf Glauben. E o que era isto? Isto era materializar o que até aí era só platónico. A recompensa da Beiliegen consistia em o cavaleiro dormir ao lado da sua dama por uma noite, sem ultrapassar os limites da decência nem colocar em causa a castidade da dama. Mas a gente bem sabe que, quem nunca comeu melaço, quando come se lambuza. E é bem provável que muita gente se lambuzasse. E sabemos também que quando começa a fartura, acaba-se o interesse. Há uma frase óptima para isso que aplico muitas vezes: post coitum, omne animalium triste est (pós coito, o homem é um animal triste). Logo logo os cavaleiros começaram a perceber que aquelas mulheres não eram deusas nem santas e que não mereciam aquela devoção até porque na maior parte dos casos ou eram cruéis, ou devassas.

Com o Renascimento, mais pragmático, o que era platónico tornou-se físico. Numa época aberta ao conhecimento, de que servia este sem a experiência? Desta forma, a veneração da mulher caiu em desuso, sendo recuperada mais tarde em nichos do continente europeu. O amor romântico, em que a mulher tinha os seus admiradores ressurgiu em França no século XVII, mas de forma diferente. É agora no recato do palácio que as damas, as précieuses, recebem os seus admiradores e estes já não têm de desembainhar as suas armas para conquistarem os favores das eleitas. Agora o trabalho é o do intelecto, do espírito, das conversas elevadas. As conversas eram de tal forma esteticizadas que certos termos foram banidos por serem considerados demasiado vulgares. Assim, a palavra "mão" foi substituída por la belle mouvant, a palavra "espelho" foi substituída pela expressão le conseilleur des Grâces e a "cadeira de braços" foi trocada por commodité de la conversation. Entendê-los devia ser impossível...

Este fenómeno voltou a surgir em Génova, no século XVIII com os cicisbeos. Estes eram galanteadores que se ocupavam da dama em causa e de tudo o que lhe dizia respeito: um ajudava-a na rotina matinal, outro acompanhava-a aos ofícios religiosos, outro levava-a a festas, outro tratava da gestão das suas posses... Este hábito generalizou-se de tal forma que todas as mulheres passaram a querer ter o seu cicisbeo e todos os homens desejaram ser um. A diferença entre o cicisbeo e o cavaleiro da Idade Média, é que este último raramente podia gozar da companhia da dama a sós enquanto os primeiros se encontravam sempre com a dama e com a anuência do marido desta. Aliás, quando se discutiam os contratos de casamento, discutia-se e determinava-se também quantos cicisbeos podia uma dama ter enquanto casada. 

Acho que com a Revolução Francesa, que procurou a igualdade e trouxe para a linha da frente da luta política algumas mulheres, esta veneração pelas damas esmoreceu. É que a referida veneração só existia e só tinha razão de existir enquanto a mulher fosse um ser passível, um ser sem opinião, sem gostos. A partir do momento em que a mulher se afirma, de que lhe serve alguém que lhe diga que ela é apreciada, ainda para mais se essa apreciação é paternalista? O que nos interessa que alguém nos aprecie como a um bibelot se nos trata como tal, se não é capaz de discutir ideias, de aceitar as nossas e ver as suas serem discutidas também? Claro que para os homens tudo isto foi sendo, gradualmente, uma grande mudança. Se ao homem já não cabe o papel de protector das damas - papel esse que lhes é/era ensinado desde o berço -, o que lhes cabe? Acho que nem 8 nem 80. Continuem a levar-nos a casa; fica bem. Continuem a oferecer-se para pagarem o primeiro jantar. Também fica bem. Mas não nos respeitem por sermos mulheres. Respeitem-nos porque somos seres humanos.
- o carteiro -

[1]
para quem quer perceber como funciona o mercado de arte. Enfim, para quem quer perceber como funciona o mercado. (link)

[2]
para quem, como eu, gostaria de trabalhar no MoMA (ou no MET, não sou esquisita). São oito partes. (link)

[3]
para quem por vezes não sabe o que dizer face a uma obra de arte que não lhe diz "meia" (aqui)

quarta-feira, novembro 22, 2017

- original soundtrack -





















Tudo era apenas uma brincadeira
E foi crescendo, crescendo, me absorvendo
E de repente eu me vi assim
Completamente seu

Vi a minha força amarrada no seu passo
Vi que sem você não há caminho, eu não me acho
Vi um grande amor gritar dentro de mim
Como eu sonhei um dia

Quando o meu mundo era mais mundo
E todo mundo admitia
Uma mudança muito estranha
Mais pureza, mais carinho, mais calma, mais alegria
No meu jeito de me dar

Quando a canção se fez mais clara e mais sentida
Quando a poesia realmente fez folia em minha vida
Você veio me falar dessa paixão inesperada
Por outra pessoa

Mas não tem revolta, não
Eu só quero que você se encontre
Ter saudade até que é bom
É melhor que caminhar vazio
A esperança é um dom
Que eu tenho em mim,
Eu tenho sim
Não tem desespero não
Você me ensinou milhões de coisas
Tenho um sonho em minhas mãos
Amanhã será um novo dia
Certamente eu vou ser mais feliz

(Sonhos, Peninha, interpretado por Caetano Veloso)
- não vai mais vinho para essa mesa -





 
- o carteiro -

 Esta é uma da das três versões que Van Gogh pintou do seu quarto, em Arles. As versões distinguem-se umas das outras pelos quadros dentro dos quadros, pelos quadros que estão na parede. E Van Gogh gostava tanto do seu trabalho que o descreveu pormenorizadamente em 13 cartas que trocou com o seu irmão Theo. Em nenhuma delas fala sobre o espelho em específico pelo que, depreendo, o espelho não fazia parte de nenhum ritual em especial. Talvez daí estar demasiado baixo, como um reflexo do seu "desleixo" face à sua imagem. Se o usava para aparar a barba, não sei, mas sei que, por um lado, grande parte dos homens tratava das suas pilosidades no barbeiro e, por outro, o número de objectos que nessa altura uma pessoa possuía era muito menor que ao de hoje em dia. O espelho podia ser um bem, um verdadeiro bem material.

Nas cartas dirigidas ao irmão, Van Gogh refere que o ângulo é propositadamente alterado de forma a evitar sombras e assim aproximar a sua pintura da pintura japonesa. E, acrescento eu, dissipar as sombras de uma recaída após o tratamento no hospital psiquiátrico. Talvez essa distorção propositada faça parecer o espelho mais baixo.

Não sei, é só um "suponhamos".


Van Gogh
Bedroom in Arles
1889
Musée d'Orsay, Paris
esse paternalismo é enternecedor...
e dispensável.

segunda-feira, novembro 20, 2017

- original sountrack -

Caro John Flores, este é o meu mindset actual. É curioso ver que o Sunday do Morrissey é o mesmo Domingo do Nelson Neide (o fastio, a acédia, a melancolia...). Já as manhãs de Domingo permitem o estiramento, o Sol na nuca, a preguiça abençoada com ou sem missinha. É como se o almoço de Domingo fosse a charneira entre a esperança e a falta dela.
Mas para já, Morrissey (só esta parte)...














Everyday is like Sunday
Everyday is silent and grey

(Everyday is like Sunday, Morrissey)
- não vai mais vinho para essa mesa -

novo episódio da série "Avaliando um livro pela capa":



































































e para não dizerem que sou mázinha, cá vai...



























 
- ars longa, vita brevis -
Hipócrates


antes e depois ou como "sob-a-inflência-do-Morrissey-a-gente-até-descobre-umas-coisas-jeitosas" ou como "não-são-novidade-no-sentido-absoluto-mas-sempre-te-deu-algum-prazer", ou como "a-gente-tem-de-ter-prazer-em-alguma-coisa", ou como "que-seja-nisto".  pois é. boltamos ao japonesismo e aos impressionismo. Um bocadinho de cada nunca fez mal a ninguém. Quando no século XIX o Japão se abriu ao Ocidente (ou pelo menos o Ocidente acha que foi assim, que foi uma abertura por influência ocidental) enviou para esse mesmo Ocidente embaixadores que pudessem formar aqui uma imagem do que era aquilo lá. Vai daí, mandaram carregam barcos com o que de melhor sabem fazer e ordenaram que os mesmos fossem descarregados nas muitas Exposições Mundiais que o Ocidente fazia no século XIX. Ele era porcelanas, ele era sedas, biombos, telas. E esse Ocidente civilizado e farto, cansado de um modelo estético com o qual já não se identificava, sorveu até ao tutano o que lhe foi dado. O Japão trouxe a linha em vez da luz e sombra, deu um sentido decorativo aos motivos geométricos (veja-se o efeito das escamas do peixe), trouxe novos formatos (a mimetizar os rolos japoneses) e trouxe um novo entendimento e leitura das imagens, já que reduziu o número de planos (muito útil para as litografias publicitárias da época). Estas duas imagens, porém desarmam qualquer um. São um exemplo muito flagrante desta influência da cultura japonesa no Ocidente, já que na imagem de baixo vemos uma reprodução do elemento central da imagem de cima. Mas o mais engraçado é que isto não é uma rua de Paris ou que qualquer outra cidade europeia. Esta tela é o resultado de um fenómeno menos conhecido - mas pelos vistos, real - de passagem dos artistas europeus pelo Japão. Van Gogh, que muito se socorreu das soluções da arte japonesa para sua própria arte não foi ao Japão. Manet também não. Mas este moço, este Louis Dumoulin, foi e pelos vistos foi lá, que com a técnica impressionista, pintou uma cena totalmente japonesa (parece uma antítese, mas ele conseguiu). Bom, é outra forma de ver a influência do Japão na arte europeia do século XIX. beijinhos, durmam bem e cuidado com o papão.



















Utagawa Hiroshige
Suido bridge and Surugadai, from One Hundred Famous Views of Edo
1856-58


















Louis Dumoulin
Carp banners in Kyoto
1888
Museum of Fine Arts, Boston
- o carteiro -

talvez o espelho do quarto do Van Gogh não fosse para ele se barbear. Aliás, dos retratos que conhecemos de Van Gogh, ele está com barba, o que quer dizer que esse devia ser o seu "estado" habitual e que portanto, não se barbeava com frequência. Talvez fosse um espelho de trabalho ou simplesmente um objecto compunha bem o ambiente.

quarta-feira, novembro 15, 2017



terça-feira, novembro 14, 2017

adoro quando não respeitas os meus horários. sinto cá um tesão...

sexta-feira, novembro 10, 2017

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

(Álvaro de Campos, O que há em mim é sobretudo cansaço)

terça-feira, novembro 07, 2017

- o carteiro -



















Van Gogh
Fifteen Sunflowers in a Vase
1888
National Gallery, Londres

num deste dias, numa excepcional tarde de um Sábado de Setembro, quando as folhas já rodopiam no chão, mas o Sol está quente, tive de ir à igreja. todos nós, cristãos ou não, de livre vontade ou contrariados, convidados de primeira ordem ou penduras, temos, mais cedo ou mais tarde, e por via de um dos sete sacramentos aos quais somos chamados sem sabermos bem porquê, de ir à igreja. pois lá estava eu, no adro, à espera da hora - o Senhor tem o seu tempo - quando vejo sair, ainda inebriada pela festa e cega pelo Sol a Melinha, nubente, risonha e inconsequente.
 
A Melinha era uma miúda estouvada e pinchona que, entre os seus 14 e 16 anos frequentou lá a casa em virtude da maldita matemática. Era obesa e ruiva, gulosa, respondona e com tendência para sair da casca, tendência essa que crescia à medida que aumentava a distância da mãe. A mãe, ascética e draconiana, de evocação religiosa pronta na boca era uma daquelas mulheres rijas de corpo e cujas pernas eu imaginava sólidas, fibrosas, brancas e peludas, confesso. Vendia charcutaria no mercado, mas não raras as vezes o marido - um pau mandado de bigodinho aparado, mais baixo que a mulher, dado ao comentário e de pé ligeiro -, passeava entre o supermercado e a banca dos queijos sacos de plástico de onde acabavam por sair queijos adquiridos na grande superfície e vendidos, pelo dobro naquela banca de mercado. Tudo era caseiro, trabalhado por aquelas mãos que comem, oram e trabalham. Nada mais se pode fazer com as mãos, que esteja dentro dos limites da legalidade divina, que não comer, orar e trabalhar.
 
A Melinha crescida, no seu vestido de noiva era portentosa, bestial, e branca. O buço perlado, o peitilho rendado e alvo subia e descia, dando a conhecer um orgulho pelo seu Erlander (um folheto perdido no banco da igreja anunciava todo o programa da festa religiosa daquele enlace em que tanto os pais de um como de outro colocavam esperança: para netos, casa comprada a crédito, duas semanas de falatório na cidade e as boas graças de Deus aquando do Juízo Final. Havia mesmo a promessa da festa ser abrilhantada pelo próprio Senhor, em carne e osso, embora mais osso que carne). Os braços bamboleantes sacudiam o arroz, agitavam o véu, bramiam o bouquet, abraçavam todos. A mãe, vestida de preto como uma carpideira, olhava orgulhosa para aquele feito e rezava hossanas para que o sexo fosse somente com propósitos de procriação. Eu imaginava isto e imaginava a Melinha pinchona na intimidade. Sim, eu pecava em pensamento à porta da igreja. Imaginava até o pai, de bigode nivelado milimetricamente, ainda com a saca dos queijos na mão.
 
E já entrada na Igreja, fiquei a pensar na felicidade alheia, que é muito bonita e digna de registo. Dei também graças ao divino pelos Sábados à tarde, invenção supimpa de que gostava muito de usufruir mais amiúde, se faz favor. Obrigada. 

segunda-feira, novembro 06, 2017

- original soundtrack -

a minha Madonna é esta:











(...)

I've always been in love with you
I guess you've always known it's true
You took my love for granted, why oh why
The show is over, say good-bye

Say good-bye, say good-bye

Make them laugh, it comes so easy
When you get to the part
Where you're breaking my heart
Hide behind your smile,
All the world loves a clown (Just make 'em smile the whole world loves a clown)
Wish you well, I cannot stay
You deserve an award for the role that you played (Role that you played)
No more masquerade,
You're one lonely star (One lonely star and you don't know who you are)

(...)














(Take a Bow, Madonna)

- não vai mais vinho para essa mesa -

[no ginásio]
- olá boa noite.
- olá.
- 4061, acho eu!...
- sim, já dei entrada do seu número. posso dar-lhe uma palavra?
- ... sim...
- é que ontem tivemos uma queixa... dizem que faz muito barulho ao fazer ginástica.
- Muito barulho?
- Sim
- ... ah... quer dizer, gemo um bocado, mas nada que qualquer pessoa que faz musculação não faça. Todos os homens fazem isso, e a estas horas só estão homens a fazer musculação. Não percebo... Além disso isto não é um retiro budista: há a música, o barulho das máquinas... Mas olhe, desculpe.
- Por favor não fique aborrecida, só estou a transmitir uma mensagem.
- Eu sei, eu sei: "não mate o mensageiro, mate a mensagem". Vamos fazer antes assim: eu vou embora e passo a vir a outra hora em que esteja menos gente. Assim posso arfar à vontade que não incomodo ninguém.

e fui embora.
- o carteiro -

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