segunda-feira, fevereiro 25, 2008

- original soundtrack -

[jimi, uma das melhores músicas sobre despedidas que ouvimos nos últimos tempos. viciados!]

When I get to Warwick Avenue
Meet me by the entrance of the tube
We can talk things over little time
But promise me you wont stand by the light

When I get to Warwick Avenue
Please draw the past and be true
Don’t say we’re okay
Just because I’m here
You hurt me bad but I wont shed a tear

I’m leaving you for the last time baby
You think you’re loving,
But you don’t love me
And I’ve been confused
Outta my mind lately
You think you’re loving,
But I want to be free, baby
You’ve hurt me.

When I get to Warwick Avenue
We’ll spend an hour but no more than two
Our only chance to speak once more
I showed you answers, now here’s the door

When I get to Warwick Avenue
I’ll tell baby there we’re through

Cause I’m leaving you for the last time baby
You think you’re loving,
But you don’t love me
And I’ve been confused
An outta my mind lately
You think you’re loving,
But you don’t love me
I want to be free, baby
You’ve hurt me.

All the days spent together
I wish for better,
And I didn’t want the train to come
Now it’s departed, I’m broken hearted
Seems like we never started
All those days spent together
When I wished for better
And I didn’t want the train to come.
No, no.

You think you’re loving
But you don’t love me
I want to be free, baby
You’ve hurt me
You don’t love me
I want to be free
Baby you’ve hurt me

(Warwick Avenue, Duffy ao vivo no Jools Holland)

domingo, fevereiro 24, 2008

(...)
and I wish that I was made of stone
so that I would not have to see
a beauty impossible to define
a beauty impossible to believe
a beauty impossible to endure
the blood imparted in little sips
the smell of you still on my hands
as I bring the cup up to my lips
no God up in the sky
no devil beneath the sea
could do the job that you did, baby
of bringing me to my knees
outside I sit on the stone steps
with nothing much to do
forlorn and exhausted, baby
by the absence of you

(Brompton Oratory, Nick Cave)

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

- original soundtrack -

The word is about, there's something evolving,
whatever may come, the world keeps revolving
They say the next big thing is here,
that the revolution's near,
but to me it seems quite clear
that it's all just a little bit of history repeating

The newspaper shouts a new style is growing,
but it don't know if it's coming or going,
there is fashion, there is fad
some is good, some is bad
and the joke is rather sad,
that its all just a little bit of history repeating

- and I've seen it before
- and I'll see it again
- yes I've seen it before
- just little bits of history repeating

Some people don't dance, if they don't know who's singing,
why ask your head, it's your hips that are swinging
life's for us to enjoy
woman, man, girl and boy,
feel the pain, feel the joy
aside set the little bits of history repeating

- just little bits of history repeating
- and I've seen it before
- and I'll see it again
- yes I've seen it before
- just little bits of history repeating

(History Repeating, Propellerheads e Shirley Bassey)
-não vai mais vinho para essa mesa -
- o carteiro -



- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Se o século XVIII foi pródigo em grandes temas, em encomendas megalómanas e pintura emblemáticas, a verdade é que permitiu que a pintura ficasse acessível a um número maior de pessoas. Quem não era um grande mecenas ou não cultivava o gosto pelo retrato, podia sempre escolher e apreciar pinturas menores em dimensão e de carácter mais consensual. Digamos que quem era nobre, fazia as grandes encomendas e quem era filho ilegítimo de um nobre fazia este tipo de encomendas, as encomendas de paisagens. É neste âmbito e cenário que o paisagismo ganha força. É também devido ao gosto crescente pelas viagens, aliás, é nesta altura que nasce o nome “turismo”, embora alguma literatura o descreva como um turismo de luxo e sem riscos. São no fundo as “grand-tours”. Os destinos escolhidos são as grandes cidades, as cidades da Europa com vestígios da Antiguidade como a Itália ou com qualquer coisa de exótico, já numa antevisão do Romantismo que foi até mais longe neste gosto pelo exotismo, reservando mesmo uma parte da sua história para o Orientalismo. Londres por exemplo foi uma cidade muito retratada, Turner pintou incessantemente o nevoeiro londrino, mas a cidade que permite o retrato fiel tanto da arquitectura como da vida social rica e sob uma luz privilegiada é Veneza. Chega a existir uma especialização dos pintores nesta área, fazendo estes uma pintura de atelier que reflectia a visão da cidade sob o ponto de vista dos turistas; ou seja as chamadas “vedute”. O mais conhecido dos pintores que perpetuaram Veneza foi Canaletto, decerto influenciado por alguma pintura flamenga e pela descoberta nas pinturas italianas das vantagens do uso da perspectiva. Canaletto explorou este último aspecto até ao limite, uma vez que as cidades, pelo pavimento, pelos edifícios e pela criação de espaços abertos como praças permitem a construção de paisagens perspectivadas intensas. Canaletto fez uso das técnicas da altura, como a pintura através de espelhos que lhe permitia congelar a imagem e outra técnica que fazia com que o pintor tivesse uma imagem de 360º, uma vista panorâmica completa para estudar. Outro dos aspectos da pintura de Canaletto (Canaletto porque o seu nome era António Canal) é a luz que não é igual em mais nenhuma cidade nem estilo. A arquitectura é pintada com grande pormenor, ou pelo menos com o pormenor necessário à criação das linhas de perspectiva. Já as figuras humanas, que ocupam um lugar ínfimo dentro das grandes paisagens, como se ficassem esmagadas pelas catedrais e praças e torres, são delineadas por pinceladas rápidas. No entanto não são menos importantes. O que seria da praça de São Marcos ou outras vistas sem a presença de pessoas que acentuam a monumentalidade do que é pintado?
Neste quadro de Canaletto, um dos mais conhecidos, o pintor usou dois pontos de fuga o que torna o quadro muito mais dinâmico. Veja-se em comparação com o exemplo de baixo. Com dois pontos de fuga Canaletto consegue sugerir outra parte da fachada e a animação para além dos limites do quadro. O edifício da esquerda está todo ele orientado para a direita, mas é cortado nesse lado esquerdo. No entanto a sensação de movimento não é ceifada pelos limites naturais do quadro, uma vez que no chão as linhas do pavimento apontam para o lado esquerdo.
Canaletto
Piazza San Marco: Looking South-East
1735-40
National Gallery of Art, Washington
Neste quadro, facilmente identificamos o ponto de fuga, na linho do horizonte, no mar, ao lado do barco branco (ok, não conseguem ver). Aqui não existe qualquer erro: tudo converge para esse ponto e por isso a composiçãonão suscita expectativa, uma vez que a acção, segundo aquilo que nos é dado a ver, decorre toda ali. Aliás, o número de pessoas aumenta à medida que se caminha para o cais.
E posto isto, vou recordar as fotografias da ida a Veneza.

Canaletto
Piazza San Marco
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Daniela Edburg é uma fotógrafa Americana nascida em 1975, que trabalha na cidade do México. A série “Drop death gorgeous” retrata mulheres jovens que morrem com doenças do comportamento alimentar. Nem todas as fotografias desta série têm qualquer relação com pinturas; algumas lembram-nos cenas de filmes e outras, de outras fotografias e fotógrafos. Estas séries começaram por ser feitas não com fotografias, mas com pinturas e estabelecem uma relação entre a beleza e a comida e entre esta e a morte. De facto, a própria fotógrafa afirma ser uma consumidora compulsiva e embora o trabalho não seja uma crítica ao consumismo, é uma forma de o retratar. A relação entre a beleza, a morte e a comida dão ênfase ao dito por Baudrillard que achava que a nossa fraqueza era uma forma de sedução.

James Abbot McNeill Whistler
Portrait of the Artist's Mother
1871
Musée d’Orsay, Paris


Daniela Edburg
Death by Oreos
2006

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

- original soundtrack -


Yeah Yeah Yeah
Yeah Yeah Yeah
Yeah Yeah Yeah

I love you
but i gotta stay true
my morals got me on my knees
im begging please stop playing games
i dont know what this is
cos you got me good
just like you knew you would
i dont know what you do
but you do it well
I’m under your spell

You got me begging you for mercy
why wont you relase me
you got me begging you for mercy
why wont you release me
I said release me
(...)

(Mercy, Duffy)
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

Money makes the world go ‘round…
É óbvio que “filho de peixe sabe nadar”, mas também é sabido que no que diz respeito à arte, nem todos os peixinhos são bons artistas. Holbein deverá muito da sua obra ao pai, mas grande parte é mérito: desenha mãos como ninguém e retratos de majestade muito bons. Não deverá ter vivido na penúria, uma vez que as suas viagens frequentes provam a capacidade financeira para tal e os retratos de personalidades da burguesia da época devem ter sido uma boa fonte de rendimentos. Fixação ou obrigação da encomenda, certo certo é que Holbein pintou muito e e muito bem… dinheiro. Dinheiro espalhado em mesas, guardado em cofres semi-abertos, sob a forma de uma única moeda na mão de um homem, enfim, os exemplos seriam mais se as imagens que tenho aqui não fosse tão más. Não sendo esta justificação bastante para afastar os perseverantes leitores do Belogue (com todo o respeito), avanço para os exemplos:

Lais de Coríntio era uma prostituta das mais caras na Grécia Antiga. Os favores sexuais que poderia proporcionar deviam ser de tal forma extraordinários e a senhora é retratada com uma beleza tão excepcional que até se diz que Lais era amante do mais importante pintor da Antiguidade, Apelles. Lais é apresentada aqui como uma mulher muito bela, de formas suaves e um pouco esfumadas, ao estilo veneziano que denuncia um certo hedonismo. Diz-se que o modelo para este quadro (que tendo um caso com Apelles – cujo nome quer dizer Amor Profano - seria por isso representante do Amor Profano) também teria sido para um outro que representava o amor puro. Teríamos então a oposição entre Amor Profano e Amor Puro tal como enunciado por Ticiano, embora em Holbein nada diga se esta é a Lais do Amor Puro ou do Amor Profano (à excepção das moedas). Não há nesta Lais um interesse em chocar: ela não é pudica, mas também não é promíscua em demasia. O dinheiro em cima do balcão e a sua mão direita aberta ara que olha parece querer dizer “para me terem é tanto. Venham”.

Hans Holbein the Younger
Lais of Corinth
1526
Kunstmuseum Basel, Suiça


Este quadro não deve ser visto separadamente do outro que Holbein pintou e que retrata a cunhada (irmã da mulher) do retratado. Holbein constrói um retrato ao estilo italiano, estilo esse que começava a emergir na Alemanha nos séculos XV e XVI. Este estilo já estava a ser trabalhado há muito tempo e se o nome de um artista alemão puder ser aqui citado esse nome é o de Dürer que em muito contribuiu para a evolução do estilo. Quando este quadro é encomendado a Holbein, o pintor sabe perfeitamente o que fazer e como fazer: a linha reina sobre a cor e a textura, excepto no rosto da pessoa retratada. E essa pessoa é o mecenas, logo exige que a representação seja digna de tal. Meyer, o retratado, preocupa-se em mostrar a sua situação financeira segurando para isso uma moeda na mão. Era um homem vindo não das classes superiores, mas das guildas (associações de artesãos). No entanto este homem tornou-se um prestamista e graças ao seu trabalho, tinha uma posição social privilegiada e uma situação financeira desafogada. Meyer também apresenta na mão esquerda vários anéis de ouro que mostram a sua prosperidade e a própria arquitectura, o cenário que contextualiza a cena está repleto de alusões à Antiguidade Clássica e ao Renascimento italiano: colunas com capitéis coríntios, folhas de acanto e os putti.

Hans Holbein the Younger
Portrait of Jakob Meyer
1516
Kunstmuseum, Öffentliche Kunstsammlung

Este retrato de Dirk Tybis, diz-nos tudo acerca do retratado bastando para isso ler o papel que o mesmo segura na sua mão esquerda: chama-se Dirk Tybis, tem 33 anos e reside em Londres. Sabemos também pelo papel e pelos símbolos nele contidos que Tybis é um mercador e daí a presença do dinheiro em cima da mesa, um pouco ocultado. Este é um retrato curioso uma vez que há uma certa tendência para ser um retrato de poder e de exibição de prosperidade, mas acaba por sê-lo de forma tímida, uma vez que o que lhe dá esse poder, o dinheiro, está confinado a um canto do quadro.


Hans Holbein the Younger
Portrait of Dirk Tybis
1533
Kunsthistorisches Museum, Viena

Neste quadro de Holbein o retrato parece que foi apanhado de surpresa, ou pelo menos nota-se no seu rosto uma certa ansiedade: ele não se vira para observador, mira-o pelo canto do olho. No entanto, também não está a tentar esconder-se, está antes a anular-se para fazer sobressair o que ele acha verdadeiramente importante; ou seja, o ambiente que o rodeia (com todos os seus pormenores) e mostra o seu lugar na sociedade. Apesar disto e da presença do dinheiro e dos papéis e de escritos que relacionam Georg Gisze com o seu trabalho, o trabalho de mercador, ele pretende ser visto como um humanista. Atrás dele, na parede o escrito em latim: `Nulla sine merore voluptas', que quer dizer “sem trabalho não há ganho”. É portanto uma enfatização da sua actividade como mercador.

Há neste quadro objectos que se destacam como por exemplo a jarra com flores que está em cima da mesa. Até aqui nada de especial. Aliás a transparência quase anula a presença das flores. Mas a cor das flores, isso sim é importante, pois a esse cor-de-rosa era sinónimo, segundo os cânones venezianos, de uma certa postura social, de uma aproximação à realeza. O outro objecto que, não se destaca porque se trata do retrato de um mercador, mas que para esta análise é importante, é o pequeno cofre com moedas. É que tal como o que acontece com o quadro em si, este objecto só serve para dizer a actividade do retratado e a posição social e financeira. Quase que é anulado por uma série de outros objectos que fazem de Georg um mecenas em vez de um mercador.

Hans Holbein the Younger
Portrait of the Merchant Georg Gisze
1532
Staatliche Museen, Berlim

- não vai mais vinho para essa mesa -

[noite posta, o telemóvel toca. Número anónimo]
- Sim?
- Estou sim? Boa noite fala a Mónica Pereira da sua operadora móvel.
[pufff…]
- Gostaria de saber se está disponível para responder a um questionário sobre o nível de satisfação do cliente.
- Hummmmm… estou.
- Está satisfeita com a sua operadora móvel?
- Não.
- … Posso saber porquê?
- Porquê? Porquê Mónica? Eu podia processar-vos por expectativas frustradas! Número anónimo!
- não vai mais vinho para essa mesa -

saudades, mas faço de conta que não
- o carteiro -

Dr. Jekyll and Mr. Hyde:
O grupo de hackers “Cult of the dead cow” lançou recentemente o Goolag Scanner, uma ferramenta web para permitir que cada um proteja o seu site via Google. É que em termos governamentais, por exemplo, as lacunas na segurança podem ser, e geralmente são, graves. O programa funciona como um scanner de vírus, invasores de propriedade e surripiadores de direitos de privacidade. É ir lá ver!

He went bananas:
Não gosto muito do trabalho dele. Gosto do conceito para a parte comunicacional da Casa da Música embora a tenha achado uma visão individualista, mas no geral, não gosto do trabalho. Acho que Stefan Sagmeister ficou “bananas”. Pelo menos é o que parece indicar a exposição "Things I Have Learned In My Life So Far” que conta com uma instalação feita de 7200 bananas e que por isso, por ser realizada com material perecível, só vai estar em exposição na NYC’s Deitch Gallery até dia 23 deste mês. Dizem que é uma espécie de exposição interactiva que inclui objectos que já tiveram vida fora da galeria de arte e que lá dentro terão a vida que os visitantes desejem que eles tenham consoante a forma como se relacionam com eles. Esta exposição coincide com a saída do novo livro de Sagmeister, com o mesmo nome da exposição e que irá mostrar a sua carreira.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou “na senda dos vídeo-clips de David Fincher, vem agora esta analogia entre o Express Yourself da Madonna e o filme Metropolis de Fritz Lang. No filme, Fritz Lang mostra-nos uma cidade do futuro, negra, com edifícios muito altos e uma relação entre o homem e a máquina que não é mostrada entre o homem e o homem. Por isto até me faz lembrar um pouco o livro “1984” e o “Admirável Mundo Novo” devido à relação e submissão do homem face à máquina. Na cidade de Fritz Lang os ricos e os operários não se misturam e no vídeo de Madonna também não. Ela é a prisioneira de luxo de um homem de negócios, encarcerada numa arranha-céus ou torre de um arranha-céus que olha de cima os homens que trabalham. As cenas que relacionam estes dois mundos são feitas sempre na vertical para enfatizar o sentido hierárquico das posições assumidas. Embora o filme, tal como o vídeo-clip esteja repleto de homens-máquina, é uma mulher quem assume o papel principal. Ela é o símbolo da pureza na cor do seu cabelo e no nome que adopta (Maria, no caso do filme), mas que tem um papel menos digno da Virgem. Madonna faz aqui muito bem de si mesma nos dois sentidos: é Madonna, a Virgem loira e pura e é a Madonna da vida real, a mulher que desvia os homens do seu caminho (uma consideração que pode não ser literal, mas ajuda a compreender)":

Fritz Lang
Metropolis
1927


Madonna
Express Yourself
1990
- o carteiro -

Há uma coisa profundamente irritante nas visitas a galerias de arte e museus: a romaria. Chamem-me antiquada e snob, não me interessa, mas acho que os locais referidos não são locais de romaria. Quanto mais se fala da democratização da arte, mas torço o nariz. Porque haveremos todos de gostar de arte? Porque haveremos de marchar com a família ensonada aos Domingos de manhã para ver exposições de coisas que não nos interessam só porque o jornal diz que é bom? O que é que motiva as pessoas a enfrentar filas e às vezes preços impraticáveis para ver e ouvir isto e aquilo. Não me digam que é porque gostam de arte. Onde é que essas pessoas estavam antes? Não gosto. Gosto de ir com calma, gosto de não me cruzar com ninguém ou com o mínimo de gente possível. Gosto de não ter de ouvir as escolas, nem os senhores reformados que vão com a viagem e merenda paga na altura das eleições, gosto de não ter de ouvir os comentários parvos de quem não tem vontade de lá estar, gosto de não ter de pedir licença a uma cabeça que cisma em não sair do lugar depois de mais de meia hora a apreciar o quadro X ou Y. Ninguém é obrigado a gostar de arte, assim como ninguém é obrigado a gostar de ler. No entanto, as pessoas obrigam-se: fazem passeios a esses locais e escolhem sempre as exposições mais difíceis. É por isso que muitas vezes os visitantes ficam com a sensação de estarem a entrar num mundo para alguns eleitos do qual não fazem parte, mas acedem à visita por solidariedade ou como costumo dizer, “para curriculum”. Não pactuo com o barulho dentro dos museus nem com ele dentro das bibliotecas. Embora possa parecer mesquinho e irrelevante, o barulho pode ser o suficiente para a minha percepção daquilo que estou a ver ser diferente. Obviamente não percebo tudo o que vejo e honestamente não me enfrasco em comprimidos por causa disso. Às vezes aquilo que fazemos não quer dizer nada a não ser “está feito” ou “fui eu que fiz” ou mesmo “fiz”. Como diria um colega “o importante é pensares e fazeres o que pensaste, sem preocupações acerca da existência de obras anteriores iguais ou parecidas. Se pensaste e fizeste o valor da obra de arte reside aí”.

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

- original soundtrack -

It's been three weeks since you've been looking for your friend
The one you let hit it and never called you again
'Member when he told you he was 'bout the Benjamins
You act like you ain't hear him then gave him a little trim
To begin, how you think you really gon' pretend
Like you wasn't down then you called him again
Plus when you give it up so easy you ain't even fooling him
If you did it then, then you probably fuck again
Talking out your neck sayin' you're a Christian
A Muslim sleeping with the gin
Now that was the sin that did Jezebel in
Who you gon' tell when the repercussions spin
Showing off your ass 'cause you're thinking it's a trend
Girlfriend, let me break it down for you again
You know I only say it 'cause I'm truly genuine
Don't be a hardrock when you're really a gem
Babygirl, respect is just a minimum
Niggas fucked up and you still defending them
Now Lauryn is only human
Don't think I haven't been through the same predicament
Let it sit inside your head like a million women in Philly, Penn.
It's silly when girls sell their soul because it's in
Look at where you be in hair weaves like Europeans
Fake nails done by Koreans
Come again
Come again, come again, come again, come again

Guys you know you better watch out
Some girls, some girls are only about
That thing, that thing, that thing

The second verse is dedicated to the men
More concerned with his rims and his Timbs than his women
Him and his men come in the club like hooligans
Don't care who they offend popping yang like you got yen
Let's not pretend, they wanna pack pistol by they waist men
Crystal by the case men, still in they mother's basement
The pretty face, men claiming that they did a bid men
Need to take care of their three and four kids men
They facing a court case when the child's support late
Money taking, heart breaking now you wonder why women hatemen
The sneaky silent men the punk domestic violence men
The quick to shoot the semen stop acting like boys and be men
How you gon' win when you ain't right within
How you gon' win when you ain't right within
How you gon' win when you ain't right within
Come again
Come again, come again, come again, come again

Girls you know you better watch out
Some guys, some guys are only about
That thing, that thing, that thing

(Doo Wop (That thing), Lauryn Hill)
- o carteiro -

- nem tudo o que parece é:


- O Outono do Patriarca (quem já leu percebe)
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

Já vimos aqui como os temas de carácter pagão foram tratados na Idade Média. Mal refeita da nova concepção do mundo que aliava o heliocentrismo ao teocentrismo, a Idade Média lidava mal com o passado, com o paganismo e não conseguia reinterpretá-lo à luz da nova doutrina. Por isso vemos muitas vezes na arte medieval temas pagãos que foram trabalhados com alguma vergonha e cuidado não fossem ultrapassados os limites da decência e da moral geral e daquela que existia em cada homem. A reabilitação desses temas era feita sempre de forma muito subtil. Isto devia-se em parte a essa dificuldade de lidar com princípios diferentes dos actuais, com a necessidade de não fugir às novas ideias sob pena de uma valente condenação pós-terrena e porque o homem da Idade Média, por oposição ao homem da Antiguidade Clássica, tinha sido forjado da terra, do barro e não da vontade de um Deus. Os temas pagãos só tinham significado para os artistas da Idade Média se estivessem revestidos de algum objectivo não pagão que pudesse ser relacionado com temas religiosos: o Pomo da Discórdia e A Tentação de Adão, Ceres e a Nossa Senhora das Candeias….

Já no que dizia respeito às cenas do dia-a-dia, cenas não sacras, o herói pagão era recuperado na sua plenitude (nem todos, claro), para transmitir os ideais da época, os ideais de enamoramento e romance, de vida em sociedade que se pretendia retratar.

Vemos esta discrepância entre o que se quer transmitir e a matéria para o fazer num episódio pagão bem conhecido e que é o Rapto de Europa. (Europa foi raptada por Zeus que dela se enamorou. Para chegar à deusa assumiu a forma de um touro branco que de imediato lhe chamou a atenção. Europa acariciou o touro e em seguida subiu para o seu torso sendo assim raptada quando o touro voou.) Um artista medieval retratou este tema segundo os cânones da época, mas sem a emoção que a passagem mitológica tem: Europa está já em cima do touro, mas toda a cena é estática. As amigas de Europa exprimem um espanto contido da margem como se o acontecimento não fosse extraordinário. O touro branco que deveria ser Zeus é um híbrido entre burro e cão, dado o seu tamanho e Europa, vestida à moda da época, não acena, nem esbraceja, nem mesmo tem as roupas em desalinho.
Anónimo
The rape of Europe

Quando mais tarde Dürer pegou no tema, já liberto das convenções medievais, fê-lo com toda a emoção que o mesmo exigia: a composição é feita de várias diagonais, as amigas de Europa, no segundo plano agitam-se como umas carpideiras sicilianas, monstros marinhos surgem no primeiro plano Europa quase nua está verdadeiramente montada num touro possante cuja cauda também se agita no momento em que o animal vai começar a voar e a deusa está em desalinho, com o pouco tecido que a cobre a esvoaçar, o cabelo no ar e a mão firme a segurar o corno do touro, os sátiros à esquerda cumprimentam o pai dos deuses.


Dürer
The rape of Europe
- o carteiro -

- não fales com ele que ele é foleiro.
- o que é que ele fez?
- ele não fez nada, mas o pai dele rouba obras de arte.
- foleiro! antes roubasse bicicletas!

Pode parecer uma piada, mas qual é a piada de roubar obras de arte? Esta é a pergunta que o International Herald Tribune faz aos seus leitores: para quê roubar uma obra de arte. À excepção de Pierce Brosnan n’ “O caso Thomas Crown”, todos os ladrões de arte são mal sucedidos. Haverá alguns, que considerando o facto de não terem sido nunca apanhados nem as obras recuperadas, podem ser tidos como casos de sucesso, o que faz um ladrão com uma obra de arte? Primeiro, e enquanto a nossa técnica de roubar caixas Multibanco, levando-as, não fôr exportada, os ladrões de arte de todo o mundo terão de se contentar com pintura e pequena estatuária. Por isso esqueçam lá David’s e as Cariátides. Mais vale pouco, mas sem o alarme tocar que menires às costas sem se ser um Obelix. Algumas jóias também, isto se conseguirem chegar até lá.
Há depois outra coisa que não se compreende muito bem: um ladrão chega a um museu, ludibria a segurança, mete as mãos numa tela, retira-a da moldura, enrola-a e sai do museu com ela, ou, não a retira da moldura e sai do museu com ela e faz o quê? Mesmo tendo em conta que um assaltante passa seguranças, alarmes, câmaras de vigilância, detectores de objectos estranhos à entrada num museu, o mérito não é seu. É demérito dos próprios museus. Sabendo que a maior parte das obras de arte roubadas de museus são já peças conhecidas e que por isso não poderão ser vendidas em qualquer sítio, resta-nos a certeza que só mecenas muito conhecedores podem patrocinar estes assaltos. Thomas Crown fazia os seus, mas os assaltantes de obras de arte de hoje não o fazem pela aventura nem pelo prazer: fazem-no pelo dinheiro. Às vezes são encomendas específicas desses mecenas, outras serão escolhas dos assaltantes que geralmente têm pouco “olho para o negócio” ou puro desconhecimento das obras expostas, do mercado, do seu valor dentro dele…

Vejamos os exemplos: o ano passado foram roubados da casa da neta de Picasso, Diana Widmaier-Picasso, dois quadros quadros e um desenho. A polícia deteve os asslatantes que se passeavam na rua com as obras enroladas em tubos de cartão. Em 2004 um homem foi condenado por roubar duas pinturas de Van Gogh do Museu Van Gogh em Amesterdão. Não foi difícil encontrá-lo nem relacionar o homem com o crime, uma vez que no local do roubo foram deixadas cordas, escadas e roupas que continham todos os elementos para a perícia policial o incriminar. No dia 9 de Fevereiro deste ano foram retiradas da colecção E.G. Bührle Collection, Zurique, quatro telas: uma de Van Gogh, uma de Degas, uma de Cézanne e uma de Monet. Apesar dos nomes sonantes dos artistas em questão, que facilmente podiam ter sido escolhidos na hora bastando para isso olhar para as placas de identificação, os quadros mais valiosos dessa sala não foram levados. No fundo, os ladrões não sabiam bem o que estavam a levar.

Mas esta hipótese está cada vez mais colocada de parte. Hoje acredita-se que os assaltantes de galerias e museus estão ligados não a milionários excêntricos que querem uma ou outra obra, nem a gangs que não olham a meios para chegar até aos fins, mas antes a seguradoras. Os assaltantes retiram as obras dos seus lugares, entram em contacto com as seguradoras e obrigam-nas a pagar pelas obras um bocadinho menos do que o valor do seguro destas. Assim, todos ganham: ganha o assaltante, ganha a seguradora que recupera a obra e não tem de pagá-la na totalidade e ganha o museu ou detentor da obra uma vez que esta é restituída mediante pagamento.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "David Fincher realizou vários vídeo-clips para Madonna, todos eles bem sucedidos. Lembro-me de Express Yourself, Material Girl e claro, Vogue. Também realizou o inesquecível Freedom para George Michael. Descobri, ao ver mais uma vez o vídeo-clip, que este estava repleto de imagens das estrelas de cinema mudo, de alusões a Marylin Monroe e Marlene Dietrich (a própria Madonna diz num na canção “Greta Garbo, and Monroe/Dietrich and DiMaggio/Marlon Brando, Jimmy Dean/On the cover of a magazine”), os cenários são muito parecidos com as ilustrações e fotografias de art déco. Há também um bocadinho de Tâmara Lempicka (que não gosto muito), nas imagens das mulheres/homens que Madonna também usou no vídeo “Justify My Love”, e um lindíssimo torso em espartilho branco, sentado na beira de uma banheira que está na mesma linha estética do torso de P. Horst. Este é o antes e depois de hoje. Não é grande coisa, mas nós também não somos. É que estamos com um problema e postar que antes era um prazer e uma forma de estudo do mundo da arte, é cada vez mais uma tarefa:"

P. Horst
The Mainboucher Corset
1939



Madonna
Vogue
1990
- não vai mais vinho para essa mesa -

antes:
“Estou a escrever-te porque depois da nossa discussão, e depois daquilo que dissemos um ao outro, considero estar tudo acabado entre nós. Também mostraste que era isso que pretendias e por isso não te prendo. Amanhã de manhã deixo em tua casa as fotografias da viagem à neve, os DVD’s e umas peças de roupa que ficaram lá na gaveta.”

depois:
“Estou a escrever-te porque acho melhor não mantermos mais isto. Aliás, para que não tenhas dúvidas, vou apagar-te dos “favoritos”.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

- original soundtrack -

esta semana, Motown revisitada:

All I can ever be to you,
Is a darkness that we knew,
And this regret I had to get accustomed to,
Once it was so right,
When we were at our high,
Waiting for you in the hotel at night,
I knew I hadn't met my match,
But every moment we could snatch,
I don't know why I got so attached,
It's my responsibility,
And you don't owe nothing to me,
But to walk away I have no capacity

He walks away,
The sun goes down,
He takes the day but I'm grown,
And in this grey, in this blue shade
My tears dry on their own,

I don't understand,
Why do I stress A man,
When there's so many better things at hand,
We could a never had it all,
We had to hit a wall,
So this is inevitable withdrawal,
Even if I stop wanting you,
A Perspective pushes thru,
I'll be some next man's other woman soon,

I shouldn't play myself again,
I should just be my own best friend,
Not fuck myself in the head with stupid men,
(…)

(Tears dry on their own, Amy Winehouse)
- o carteiro -

Os sete actos de misericórdia são um tema mais ou menos conhecido e reproduzido por vários artistas. É facilmente compreendido e permite, contar a história dos sete actos de misericórdia enunciados no evangelho de São Mateus (Mateus 25, 35-40), separadamente, como manda a tradição. O evangelho fala apenas de seis: “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.” (dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, acolher os forasteiros, vestir os pobres, prestar auxílio aos doentes, visitar os encarcerados). A estas a religião Católica juntou “enterrar os mortos”. Estas eram ideias já assentes na Bíblia, como vimos, mas que ganharam mais força com um grupo chamado “Nova Devoção” que no século XVI as divulgou. Quando digo “separadamente”, refiro-me ao facto de cada acto poder existir independentemente do outro, ou dos outros.

Master of Alkmaar
The Seven Works of Charity
1504
Rijksmuseum


Penso que poucos foram os artistas que os pintaram no mesmo espaço, pois isso levantava um problema de difícil resolução: como contar uma história em que todas estas situações coexistam e com um fio condutor entre elas. Encaixá-las nos limites da tela não era difícil, isso já tinha sido feito antes da descoberta da perspectiva por pintores que procuravam retratar, por exemplo, as estações do Calvário. Sendo Cristo um só, a repetição da personagem fazia com que as partes não fossem articuladas.

Church of St John the Evangelist
"dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede e acolher os estrangeiros"
Wolverhampton


Church of St John the Evangelist
"cobrir os nus, visitar os doentes, acudir aos presos"
Wolverhampton

Esta encomenda feita a Caravaggio foi tratada de forma tipicamente napolitana, mas pouco habitual. Esta composição conta com um número tão elevado de intervenientes, que o habitual jogo de tensões e dramas que a luz e a sombra permitiam, é substituído pela qualidade dinâmica. O único ponto de luz é a tocha que uma personagem em segundo plano, à direita segura e que estranhamente não é dissimulada por uma sombra, uma vez que a origem dos pontos de luz em Caravaggio é sempre de difícil definição. O pintor optou por utilizar como modelos pessoas da rua, pessoas comuns (como era habitual) e com isto criou uma desordem nos actos quando estão todos juntos, que aproximam o todo de uma cena nocturna de rua. No entanto estas personagens desaguam na pintura vindas de diferentes tempos e espaços, como se tivessem sido recortadas da Bíblia.
Caravaggio
The Seven Acts of Mercy
1607
Church of Pio Monte della Misericordia, Nápoles

Note-se primeiro que a Virgem e o Menino assistem a tudo de cima, protegidos por dois anjos interlaçados. Cá em baixo uma mulher do povo dá alimento a um homem que se encontra na prisão. É a Caritas Romana que alimenta o seu próprio pai, São Simão (?), dando-lhe o seio; ou seja “dar de comer a quem tem fome” e “visitar os presos”. São Martinho a santo medieval, mais à esquerda do quadro, desembainha a espada para dividir a capa e dar metade ao homem que se encontra nu a seus pés (“vestir os nus”). Ao lado do homem que está no chão encontra-se um outro, que não se consegue ver muito bem, mas que pode representar um doente. Assim, aquele que está de costas nuas para nós estaria a praticar uma obra de misericórdia ao “cuidar dos doentes”. Junto a São Martinho encontramos um outro homem, talvez um fidalgo, São Tiago de Compostela que simboliza os peregrinos ou mesmo o apóstolo Jacob, e que conversa com um estalajadeiro. Este indica-lhe com um movimento de mão a estalagem e guarida garantida (“acolher os estrangeiros”). Nas costas destes move-se Sansão, vindo do Antigo Testamento que, sequioso, aceita água do maxilar de um burro (“dar de beber a quem tem sede”). Entre este grupo à esquerda e a mulher à direita, nota-se o transporte de um corpo morto, que não é visto na totalidade, mas sugerido pelos pés (“enterrar os mortos”).
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois, ou "antes, ainda antes mas já um bocadinho depois e muuuuito depois", ou "como tenho a certeza que o Bill Viola viu estas duas pinturas e foi delas que filmou este pedacinho do "The Quintet of the Astonished". às vezes acho que o trabalho do Bill Viola só tem um objcetivo: a lágrima. muito ou pouco sincera, a lágrima romântica que vertem os amantes das artes, a lágrima sincera graças à manipulação, a lágrima calculada pela Renascença... seja como for, o trabalho dele é... emocionante?! Eu gosto, assim como gosto da Amy Winehouse. há que ler nas entrelinhas:"

Hieronymus Bosch
Christ Mocked (Crowning with Thorns)
1495-1500
National Gallery, Londres


Andrea Mantegna
Adoration of the magi
1495 – 1505
J. Paul Getty Museum



Bill Viola
The Quintet of the Astonished
2000
- não vai mais vinho para essa mesa -

conselho que nunca segui:
"Faças o que fizeres, faz de tarde. Para teres transporte de volta." - Ana

sábado, fevereiro 16, 2008

- b' day -


Obrigada

(When I'm sixty four, The Beatles, interpretado por Claudine Longet)

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

mas o que é que eu vou fazer da minha vida?
- original soundtrack -

não sei se repararam, mas esta semana foi dedicada à música portuguesa

Tarde de chuva, a península inteira a chorar
Entro numa igreja fria com um círio cintilante
Sentada, imóvel, fumando em frente ao altar
Silhueta, esboço, a esfinge de um anjo fumegante

Há em mim um profano desejo a crescer
Sinto a língua morta e o latim vai mudar
Os santos do altar devem tentar compreender
O que ela faz aqui fumando
Estará a meditar?

Ai, ui, atirem-me água benta
Ajoelho-me, benzo-me, arrependo-me, esconjuro-a
Atirem-me água fria
Por ela assalto a caixa de esmolas
Atirem-me água benta
Com ela eu desço ao inferno de Dante
Atirem-me água fria

Ai, ui, atirem-me água benta
Por parecer latina suponho que o nome dela
É Maria
É casta, eu sei, se é virgem ou não depende
Da nossa fantasia

Por parecer latina calculo que o nome dela
É Maria
É casta, eu sei, se é virgem ou não depende
Da nossa fantasia

(Vídeo Maria, GNR)
- ars longa vita brevis -
hipócrates

Dizem que atrás de um grande homem está sempre uma grande mulher. Talvez este não seja o caso para dizer que por trás do sucesso de Marcel Duchamp esteve o seu precocemente perdido irmão, Raymond Duchamp-Villon. Antes de Marcel pensar no urinol que o celebrizou, o irmão Raymond esculpiu “O cavalo”, uma obra que vem revolucionar a estatuária equestre, ou pelo menos vem colocá-la em causa. Porque até aí a estatuária e a pintura que envolviam cavalos e cavaleiros eram estáticas. Raymond faz a introdução futurista da máquina e substitui a força e a velocidade pela técnica e pelo vapor. Cavalo e cavaleiro são um só, fundem-se e os membros de ambos funcionam como baterias, cambotas, rodas dentadas tão apreciadas pelos Futuristas. Raymond porém não pôde dar continuidade ao seu trabalho uma vez que morreu na Primeira Guerra Mundial. Sucedeu-lhe o irmão mais novo, Marcel, aquele que verdadeiramente conhecemos.

Raymond Duchamp-Villon
Large Horse
1914

Isto vem a propósito de uma exposição na Tate Modern em Londres que tem como título “Duchamp, Man Ray, Picabia”. Marcel foi movido por várias influências: o xadrez (passatempo familiar que lhe permitia fazer a ponte entre o jogo físico e os esquemas mentais), as escadas em caracol (já Degas havia pintado umas), e por fim, o nicho do mundo sexual. Foi também enclausurado entre o Futurismo e o Cubismo, mas a sua arte, mesmo os seus primeiros quadros mostram a necessidade de libertação dessas amarras. O “Nu descendo escada” não é cubista embora possa parecer até pelas suas semelhanças com os quadros de Picasso e Braques: as perspectivas no mesmo lugar da tela, sobrepostas… Mas Duchamp fez da sua figura, uma figura menos diluída ao contrário do que tinha feito Degas, por exemplo. Ao mesmo tempo revivia-se o espírito dos desenhos de máquinas de Leonardo da Vinci e daí o facto do “Nu descendo escada” de Marcel Duchamp ter ficado entre um movimento e outro. Marcel não se ficou pela pintura pura, embora a sua não fosse propriamente fácil de classificar. A pintura sofre inúmeras combinações: a pintura com a construção industrial, a construção industrial com a fisiologia, da ergonomia com o artesanato, com o objecto feito na hora. E foi aqui que surgiram os ready-mades. O objecto de uso, o objecto com uso é re-contextualizado e passa a ser um mobile, um objecto sem função, um objecto com dupla função, enfim, um ready-made. Marcel percebe, ao contrário dos futuristas, que a máquina desvirtuou o trabalho artístico (assim como o perceberam os manifestantes do Maio de 68 relativamente à produção intelectual da época). Tenta assim recuperá-la através da sua “anti-arte”, da recuperação de outros domínios um pouco negligenciados como o domínio da criatividade. O “Nu descendo escada” de Duchamp foi o quadro que ocupou o lugar central do Armory Show em Nova Iorque, 1913 e foi igualmente o quadro que mostrou Marcel à Arte Americana, que a influenciou e que fez com que o artista se fosse tomado como americano, isto no mesmo sentido em que Picasso foi francês durante um período da sua vida. Mas ao contrário de Picasso que pinta ininterruptamente, Duchamp vê nisso apenas a repetição estéril.

Marcel Duchamp
Nu descendo uma escada nº2
1912

Museum of Art, Filadéfia
- não vai mais vinho para essa mesa -

as eleições americanas:
[Thank you for calling!]

[Vote different]

[It won't be like 1984]
- o carteiro -

[1]
Ai é? Então come lá um BigMac para aprenderes:
Este é um artigo do Washington Post que fala das condições desumanas em que são feitos os interrogatórios em Guantanamo. Retiro apenas esta parte:
“The Bush administration announced yesterday that it intends to bring capital murder charges against half a dozen men allegedly linked to the Sept. 11, 2001, terrorist attacks, based partly on information the men disclosed to FBI and military questioners without the use of coercive interrogation tactics.

The admissions made by the men -- who were given food whenever they were hungry as well as Starbucks coffee at the U.S. prison at Guantanamo Bay, Cuba -- played a key role in the government's decision to proceed with the prosecutions, military and law enforcement officials said.”

Isto quer dizer, não sei se leram, que dentro das instalações de Guantanamo existe um Starbucks, e segundo um advogado que teve de visitar o cárcere, os prisioneiros também podem contar com comida do McDonald’s, Pizza Hut, podem comprar tudo o que lhes der na real gana num Wal_Mart e ainda podem adquirir merchandising da prisão na loja da mesma. Pensei logo em duas ou três coisas: quem visita a prisão e quem lá trabalha pode querer comer qualquer coisa e por isso faz sentido toda esta estrutura comercial, se aos prisioneiros é dado como torrãozinho de açúcar um café do Starbucks (que para eles deve ser uma ofensa), é porque estes estão a ser recompensados de alguma coisa. Uma tortura por exemplo. Lembrei-me ainda que era de muito mau gosto uma “loja da prisão” com t-shirts, copos, canecas…, como se um dia alguém fosse sair dali com vida. Ou com vontade de recordar. Ou com capacidade monetária para adquirir fosse o que fosse. Ou com outro sentimento que não fosse pouco nobre. Se a América não os mata com torturas, se não os mata com a pena capital, mata-os de vergonha.

[2]
Spielberg boicota China que boicota cinema:
A China bloqueou a produção do filme americano “Shangai” que retratava a busca de um cidadão americano pela verdade relativamente à morte de um maigo durante o tempo em que Shangai foi ocupada pelos japoneses. A decisão foi governamental uma vez que o governo chinês continua a não aceitar bem a questão sensível da ocupação da China pelo Japão durante a II Guerra Mundial. Como a China não aceita ser palco desta produção, o realizador Mikael Hafstrom pondera a mudança para outras paragens.
[3]
hooligans tudo bem. gajas nuas é que não!:
Como é sabido, quando em Londres há uma exposição relevante, a divulgação da mesma é feita nos túneis do metro, mas escadas rolantes, nas plataformas, sob a forma de cartazes gigantes que adquirem aquela forma arredondada do túnel. Mesmo assim, nunca ninguém ficou com falta de informação, que se saiba. Ora agora o problema é o excesso de informação. A Royal Academy abrirá as portas a uma exposição sobre Cranach, o Velho e como sempre, anunciou a mesma no metro londrino. Cranach fazia aquelas Evas com os seios em forma de maçã e barrigas proeminentes. (há um quadro de Cranach no antigo genérico do programa “Donas de Casa Desesperadas”). O cartaz foi recentemente retirado do metro por uma razão: Vénus, a deusa pintada por Cranach, pintura essa escolhida para representar a exposição estava… nua. Não estava parcialmente nua, nem coberta nas partes estratégicas com um paninho, nem está a três quartos, está de frente e nua, é um facto. Mas é uma Vénus de época, ainda parece criança sem pelos púbicos, com a sua face sorridente, um peito pequeno, não é um símbolo sexual nem se aproxima da pornografia. Para as autoridades do metro isso não interessa, uma vez que a imagem pode ser considerada ofensiva para todos os que viajem no metro. O problema a não análise de cada caso. Parte-se do princípio que a nudez é sempre má, sempre negativa, ofensiva. Por exemplo, a nudez mostrada nas fotografias de Mapplethorpe pode ser considerada ofensiva, bem como a de John Currin, por ser não sugerida, mas assumida. Não é estática, não se limita a ser nudez, faz alguma coisa com isso. Visto que Londres é uma cidade muito heterogénea poderia ser ofensivo para determinadas nacionalidades ou religiões, mas a Vénus é inofensiva, juro! Para além disso os cartazes poderiam substituir os outros de promessas de corpos perfeitos, de dentes ainda mais brancos e cabelos mais sedosos.

Claro que em termos de publicidade a polémica é muito benéfica para o museu, mas os utilizadores do metro de Londres é que ficam com uma paisagem visual mais pobre e menos airosa.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou "como isto não tem nada a ver. a fotografia de Klein é uma encenação como o eram as suas pinturas (as senhoras a fazer de pincéis). Em 1960 o fotógrafo Harry Shunk realizou uma série de fotografias que simulavam o salto de uma pessoa de uma janela alta. Depois fez a montagem do espaço com a pessoa. No caso da fotografia de Klein o próprio distribuiu pelos jornais de Paris o resultado dessa encenação, criando assim uma obra de produção de apreciação em massa:"

Harry Shunk
Leap into the Void
1960



GNR
Psicopátria
1986
- não vai mais vinho para essa mesa -

[na caixa do supermercado, três jovens liam os horóscopos numa revista que ali estava]
- O que é que quer dizer audaz?
- Audaz…
- Audaz… (diz o outro)
- Audaz quer dizer esperto, inteligente, com alguma manha, capaz de fazer e pensar.
- ahhhh. Diz aqui que eu tenho de ser audaz.
- Lê aí o meu?
- “Amor: ceda um pouco aos desejos dos outros. Tenha em atenção as suas necessidades”
- Pronto, ela já me quer prender! Eh pá, vai lá buscar mais uma garrafa de vinho que isto até me deixou mal disposto.

[no terceiro andar tocam à campainha]
- sim?
- boa tarde.
- boa tarde.
- Podia abrir a porta?
- Podia dizer quem é?
- É o XXXXX da Cabo Visão.
(porta aberta)
- Disse que era da Cabo Visão?
- Sim.
- E como é que eu sei que isso é verdade?
- Porque eu disse.
- Mas as coisas não são só aquilo que dizemos.
- Como?
- Nada. A sua identificação por favor.
- Credencial… Sabe que para fazer isto tem de ter uma credencial.
- Olhe, se não queria abrir a porta, não abria!
- Olhe, não fui eu que não toquei na campainha lá em baixo! Não se entra assim pelo prédio!
- Não tenho credencial, mas posso fazer-lhe umas perguntinhas?
- Não, não pode. Há coisas fantásticas, não há?
- Isso é da TV Cabo.
- O que torna tudo ainda mais fantástico!

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

- original soundtrack -

Só pra dizer que te Amo,
Nem sempre encontro o melhor termo,
Nem sempre escolho o melhor modo.

Devia ser como no cinema,
A língua inglesa fica sempre bem
E nunca atraiçoa ninguém.

O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.

Só pra dizer que te Amo
Não sei porquê este embaraço
Que mais parece que só te estimo.

E até nos momentos em que digo que não quero
E o que sinto por ti são coisas confusas
E até parece que estou a mentir,
As palavras custam a sair,
Não digo o que estou a sentir,
Digo o contrário do que estou a sentir.

O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.

E é tão difícil dizer amor,
É bem melhor dizê-lo a cantar.
Por isso esta noite, fiz esta canção,
Para resolver o meu problema de expressão,
Pra ficar mais perto, bem mais de perto.
Ficar mais perto, bem mais de perto.

(Problema de expressão, Clã)
- b' day -

nada que me possam dar
- o carteiro -

Os ismos ou “classificar o já classificado”:
Na arte os “ismos” servem essencialmente para compartimentar artistas e formas de expressão, embora por vezes sejam mais rígidos do que seria de esperar; ou seja, os “ismos” são levados demasiado a sério e servem na maior parte das vezes para classificar irreversivelmente factos e pessoas, ignorando a mobilidade própria dos mesmos. Isto porque um artista pode atravessar vários estilos e um estilo pode não ser o posto do que o antecede. Diz-se que há quatro tipos de “ismos”:
Os “ismos” cujo nome é uma tendência nas artes visuais, como o perspectivismo ou o realismo social. No primeiro caso, vários artistas praticaram o perspectivismo, mas nenhum deles se considerou “perspectivista”. No segundo, o realismo social foi fruto da época. Vários artistas o praticaram e nenhum se considerou como tal também.
Os “ismos” como tendência cultural dominante, ou como fazendo parte de uma época traduzindo o pensamento, a estética, a política, a religião da mesma. É o caso dos grandes “ismos” como o Romantismo ou o Classicismo. Ambos os movimentos tiveram lugar na sociedade, mas nem todos os pintores que viveram durante o Romantismo pintaram segundo esse estilo. São tendências que existem na arte porque existem também fora dela.
Há depois os “ismos” do século XX, “ismos” definidos pelos artistas que os praticaram, que lhes deram nome. Alguns como o Surrealismo e o Futurismo tiveram mesmo direito a manifestos e por isso sabemos bem quem que “sítio” ficam.
Las but not least, os “ismos” que não seguiram movimentos culturais, nem foram denominadas pelos seus artistas, nem mesmo praticados sem saber, como fruto do uso de uma técnica, por exemplo. Estes "ismos" têm o seu nome dado por críticos, já os movimentos estavam instalados. São movimentos como o Maneirismo ou o Pós-Impressionismo. O nome Maneirismo foi atribuído com sentido depreciativo e a denominação Pós-Impressionismo é fruto de uma observação do crítico Roger Fry do denominador comum entre as obras de Gauguin e Delaunay, por exemplo.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "não se sabe porquê, mas a fotografia de Hendrik Kerstens tem a mesma luz das pinturas holandesas. Quando olhamos para elas lembramo-nos das de Vermeer, apesar de não existir a tentativa de copiar recriar nenhuma em particular. A fotógrafa que utiliza a sua filha Paula como modelo transmite a mesma atmosfera, a mesma serenidade e a tal luz que já falámos. Substitui no entanto, pelo menos nesta fotografia, os trajes de época por roupa informal, e acessórios próprios como as toucas por outras de materiais mais actuais como o plástico. Apesar de, como disse, não existir uma correspondência directa entre as fotografias de Hendrik Kerstens e um quadro de Vermeer em particular, esta rapariga de saco de plástico na cabeça parece-me muito semelhante à da lição interrompida. A obra de Vermeer encontra-se actualmente muito deteriorada e retrata uma rapariga e um homem, talvez o seu tutor numa sala de música. Alguns elementos são originais enquanto outros foram colocados lá posteriormente. O par contribui para essa atmosfera de enamoramento (queria contornar esta palavra hoje, mas não foi possível) e ela olha-nos com algum espanto como se estivesse a dizer ao espectador que ele não pertence àquele mundo:

Vermeer
Girl Interrupted at her music
1658-61
The Frick Collection, Nova Iorque



Hendrik Kerstens
- não vai mais vinho para essa mesa -
entretanto no MiMi...
- Onde é que estão todos? Pedro? João? Paulo?
- Estou aqui Senhor.
- Já sei que estás aqui. Quero saber por onde tens andado, o que tens feito.
- Eu? Eu estou em Roma como o Senhor me mandou?
- Eu mandei? O que é que eu mandei?
- Disse “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.
- Eu disse isso?
- Disse. Está na Bíblia, Mateus 16:18.
- Caramba, só fiz o biblês técnico. E o que é que isso quer dizer?
- Quer dizer que sou responsável pela Igreja na Terra.
- Então já estás aviado.
- Por acaso o Senhor prometeu-me um lugar na NATO, como comissário para as imigrações…
- Pois, mas agora não pode ser, estão a mandar gente embora.
- Até me dava jeito… Agora lá em Roma, sem uma Angelina Jolie para animar as hostes…
- Bem sabes que a Madalena não pode ir. Tenho de a ter por perto para saber o que anda a fazer.
- E tu João?
- Eu?
- Sim rapaz.
- Senhor, eu mudei de sexo. Sou Divina Zizi agora e actuo numa discoteca em Leiria. Pronto, já disse.
- O quê?
- Senhor, onde é que achava que a coisa ia acabar com tantas representações efeminadas de mim. Era o da Vinci, era o Miguel Ângelo, era o Dan Brown…
- Estás parvo? Então tu agora “jogas em outra equipa”?
- Não! Amo-Vos de alma e coração.
- Preferia que não tivesses dito isso.
- Mas foi o que nos mandaste fazer: “amai-vos uns aos outros”.
- Bom, não leves isso muito a sério. Estás dispensado desse mandamento. E adopta o outro de cobiçar a mulher do próximo. Vai, vai lá.
- Onde?
- Ao gabinete ao lado ver se não está lá a mulher de ninguém. Cobiça-a. Diz que vais da minha parte. E o Paulo?
- Oi?
- Oi???
- Hein? Num tá mi reconhecendo pô?
- Paulo? Mas porque razão estás a falar brasileiro.
- Cê sábi, né?
- Não…
- Pô! Fui no Brasiu, dançá ná Sapucaí?
- O país de tanga e tu foste abanar as partes pudibundas naquele antro?
- Qué qui há Sinhô? Cê num falô pá gentji trává conhecimento com outro povo, prá fazê trabalho djiplomático? Táva fazendo, ué? Eu num sou São Paulo? Intão? Mi geminei com a cidade dji São Paulo e fui lá.
- Mas o Carnaval é no Rio.
- E daí? Tá achando queu num sei apanhá ónibus meu filho. Eu tô podendo, eu sô mais, tá sacando?
- E o sotaque?
- Cara, cárácá. Já acordei falando…
- Mas não foste ao baile no Scala, pois não? Já me basta aquele outro.
- Num fui não. Táva cum samba no pé e fui dançá na Sapucaí.
- E agora, o que é que andas a fazer. O Carnaval já acabou. O que é que tens feito?
- Tô dji baixa cara! O samba nunca maij saiu do pé. Tá dando uma coceira danada! Oh, djisculpa aí o “danada”, tá legau?
- não vai mais vinho para essa mesa -



- não vai mais vinho para essa mesa -

O único problema em deixar de comer é a cura milagrosa que nos impingem quando quase tudo está consumado. Uma chatice.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

- original soundtrack -


A principio é simples, anda-se sozinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no burburinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado, que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E é então que amigos nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se, come-se e alguém nos diz: bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
olha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso, por curto que seja
apagam-se dúvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar, sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E entretanto o tempo fez cinza da brasa
e outra maré cheia virá da maré vazia
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.

(O primeiro dia, Sérgio Godinho)
- não vai mais vinho para essa mesa -

não gosto muito deles, mas há presentinho para quem adivinhar o título ou autor de pelo menos 3 obras de arte conhecidas que os Franz Ferdinand parodiam neste vídeo.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

É comum em algumas pinturas flamengas do século XV, o tratamento de temas sacros, alguns conhecidos como meta narrativas, de forma secular. Também acontece que os mesmos temas sejam seculares e o gosto pelo quotidiano esteja presente, embora isso não suscite a mesma curiosidade como o contrário. Quadros como “Os embaixadores” de Holbein ou “Madonna and Child Enthroned with Saints” de Ghirlandaio constituem exemplos paradigmáticos da introdução de elementos da realidade e até perenidade humana em cenas mais ou menos sacras.

Hans the Younger Holbein
Jean de Dinteville and Georges de Selve (`The Ambassadors')
1533
National Gallery, Londres


Domenico Ghirlandaio
Madonna and Child Enthroned with Saints (pormenor)
1483
Galleria degli Uffizi, Florença

Se por um lado não podemos ficar alheios à tentativa de humanizar a temática religiosa por parte de artistas que eram, muitos deles, protestantes, também não convém obnubilar o facto de existir desde o século XIV um gosto cada vez maior e mais fundamentado pelo ónus do nosso post: as tapeçarias turcas e da Anatólia que eram pintadas como pano de fundo, mas enchiam e complementavam a pintura em questão. Veja-se o quadro de Jan de Bray em que a parte esquerda da pintura deixa em aberta a possibilidade do acontecimento de algo, a iminência do facto pelas cabeças voltadas e que é reforçado por esse espaço preenchido por tapeçarias.

Jan de Bray
The Regents of the Children's Orphanage in Haarlem
1663
Frans Halsmuseum, Haarlem

Mas a pintura de tapeçarias não era casual: ela correspondia a um conhecimento cada vez maior das diferenças entre estilos, épocas e técnicas de tapeçaria, um bem que começava a ser importado para esses países, vindo dos países islâmicos (principalmente de zonas como Konya, Sivas, and Kayseri já em 1271 2 1272) que faziam agora parte do rol de países descobertos e com os quais as trocas comerciais eram sempre profícuas. Um dos primeiros a introduzir as tapeçarias nos seus quadros foi Van Eyck, mas o que era pintado não correspondia a nenhum modelo já existente. Van Eyck não conhecia o significado dos desenhos e pintava portanto o todo do que via: o pormenor era mais fruto da sua imaginação do que do estudo das tapeçarias.

Jan van Eyck
The Madonna with Canon van der Paele
1436
Groeninge Museum, Bruges

Os italianos, devido à posição privilegiada de Veneza relativamente às trocas comerciais, foram no entanto dos primeiros a ter contacto com a peça em si. A pintura foi uma forma de perpetuar e manter vivas o desenho das tapeçarias islâmicas desde o século XIV. E para os venezianos as tapeçarias tinham um valor, eram um objecto de luxo categorizado numa hierarquia superior aos vidros, cerâmica ou couros. O correspondente italiano de Van Eyck pode ser visto na obra de Simone Martini, “Saint Louis of Toulouse Crowning Robert of Anjou as King of Naples” onde as tapeçarias que cobrem o chão têm motivos mais geométricos. E a prática continuou até ao século XVI, sendo mais evidente em pinturas flamengas, como já dissemos, mas igualmente visíveis em pinturas de mestres italianos. Foi aliás graças ao gosto pelo desenho cultivado pelos italianos que ainda hoje se conservam estudos pormenorizados dos padrões das tapeçarias que serviram de elemento decorativo nas pinturas da época. E a pintura de tapeçarias foi de tal forma importante e boa que quando as obras onde este elemento estava inserido começaram a ser estudadas, já no século XIX, foi possível observar que os padrões reproduzidos pelas pinturas retratavam de facto alguns exemplos de tapeçarias conhecidas. Por isso os padrões acabaram por adquirir o nome dos seus pintores: temos então o padrão Holbein, o padrão Bellini, Ghirlandaio, Crivelli e Lorenzo Lotto, entre outros. O padrão Lorenzo Lotto, por exemplo, surgiu após dois quadros do pintor onde é possível observar algumas tapeçarias: em “The Alms of Saint Anthony” e em “The Family Group”.

Lorenzo Lotto
The Alms of St Anthony
1542
Basilica dei Santi Giovanni e Paolo, Veneza


Lorenzo Lotto
Family Group
1547
National Gallery, Londres


Mais tarde, e num “antes e depois” que jamais veríamos não fosse esta investigação (porque eu não sei isto tudo, vou sabendo.), o padrão Lotto aparece na pintura de Sebastian del Piombo “Portrait of Cardinal Bandinello Sauli” (as carpetes eram um símbolo de status social nos retratos italianos desta época, um pouco motivados pela ideia de Lourenço de Medici para a cidade ideal), bem como em mais de 80 pinturas ocidentais posteriores a Lotto. Caracteriza-se por arabescos que se repetem até à exaustão e que são muitas vezes confundidos com elementos antropomórficos como animais ou plantas, o uso de amarelos em estruturas vermelhas bem como a subdivisão do seu próprio estilo em três outros (anatoliano, Kilim e ornamentado), cada um deles com características próprias. E a classificação dos padrões associada ao nome dos pintores é tal forma instituída que hoje muitas tapeçarias são classificadas segundo esse padrão nome.

Sebastiano del Piombo
Cardinal Bandinello Sauli, His Secretary, and Two Geographers
1516
National Gallery, Washington


Holbein também deu o seu nome a um tipo de padrão, um padrão geométrico constituído por octógonos e quadrados de tamanhos diferentes. Nos exemplos em que o motivo abre mais, notou-se que o efeito não era tão bom; ou seja, quando Holbein pinta o seu padrão com os motivos mais fechados o efeito produzido é melhor. Vários artistas foram influenciados pelos motivos geométricos dos padrões de Holbein, como Mantegna, por exemplo. Mantegna utilizou os motivos Kufescos (inspirados nos motivos árabes que são típicos nas tapeçarias da Anatólia deste período). Crivelli por seu turno fez uso da pintura de tapeçarias na sua “Annunciation with Saint Emidius” onde aplicou os octógonos embora este pintor tenha sido dos poucos que optou pelos motivos antropomórficos.

Carlo Crivelli
Annunciation with St Emidius
1486
National Gallery, Londres


Estas pinturas mostram como as tapeçarias e os tapetes em si eram objectos utilitários e não apenas objectos de luxo. Obviamente só as classes mais afortunadas poderiam auferir estes bens. Podemos ver isso nas partes da casa onde as tapeçarias são encontradas; ou seja, as tapeçarias estão rodeadas de outros objectos decorativos e utilitários de bom gosto e luxo. São comuns por exemplo nas Anunciações de traça toscana, acompanhadas de animais exóticos como pavões, constituindo quase por si só elementos iconográficos. A representação das tapeçarias na pintura proporcionava aos pintores a oportunidade de mostrar as suas qualidades no desenho de pormenor e na invenção do mesmo, na criação de padrões.