sexta-feira, novembro 30, 2007

vou embora
- original soundtrack -

caramba que esta é de punhal já no ventrículo:

Porque cada manhã me traz
O mesmo sol sem resplendor
E o dia é só um dia a mais
E a noite é sempre a mesma dor
Porque o céu perdeu a cor
E agora em cinzas se desfaz

Porque eu já não posso mais
Sofrer a mágoa que sofri
Porque tudo que eu quero é paz
E a paz só pode vir de ti

Porque meu sonho se perdeu
E eu sempre fui um sonhador
Porque perdidos são meus ais
E foste para nunca mais

Oh, meu amor
Porque minha canção morreu
No apelo mais desolador
Porque a solidão sou eu
Ah, volta aos braços meus, amor

(Canção em modo menor, Tom Jobim)
- não vai mais vinho para essa mesa -

numa altura em que uns acabam e outros falam em acabar, eu gostaria de manter o Belogue. claro que isto mudou muito, mas até ver, estamos cá para ficar. com humor, com pesquisa (não me sai tudo naturalmente, é preciso investigar) e sem lamechices. outra coisa que me lembrei agora... o Hi5 não é a coisa mais lamentável, degradante, individualista e vaidosa que existe?!
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois “ou Guy Bourdin foi um fotógrafo de moda francês que trabalhou bastante para a Vogue. É possível consultar os seus trabalhos neste site. Não é porém possível passar por esta fotografia, e pelas outras da série sem pensar no vídeo Hollywood de Madonna. Aliás, a cantora foi acusada de copiar a estética de Bourdin. Eu pensava que isso era um elogio, mas pelos vistos, é pláááááágio. Bem , também não gostava que fizessem das minha imagens quadros vivos sem dizer “água vai”, mas não é motivo para polémica (o filho de Bourdin avançou com uma acção contra a cantora por apropriação das imagens criadas pelo fotógrafo). Em caso de dúvidas, podem sempre ver o vídeo da cantora. E ver esta fotografia e esta.

Guy Bourdin
Vogue


Madonna
Hollywood
- o carteiro -

notícias do mundo do mundo
[1]
O presidente, o ex-presidente, a sua mulher e a língua comprida:
Gostava de Bill Clinton e para falar a verdade o ex-presidente nunca fez nada para eu deixar de gostar: gostava da dinâmica da presidência, gostava da sua inteligência no que diz respeito a política interna, gostei de ver um Democrata na Casa Branca. Até gostei de saber do escândalo sexual. Não gostei muito quando o presidente se calou enquanto decorria a tragédia no Sudão, sabendo nós que para evitar o massacre de 2002 bastava Bill Clinton ter levantado o telefone e dito para os seus amigos chineses do outro lado que estava na hora de pararem de fornecer armas ao país. Isso não se esquece, assim como não se esquece a não opinião de Clinton quanto à Guerra do Iraque em 2002. Quando a Guerra começou Clinton não se manifestou, uma semana antes da Guerra disse que teria sido preferível uma inspecção mais rigorosa ao país do que invadi-lo, em 2002 apoiou a resolução do Senado que autorizava uma ofensiva militar na região. A mulher Hillary, agora candidata, votou a favor de uma acção militar americana no Iraque. Esta semana, na sequência de uma acção de campanha para a eleição da esposa Clinton disse o que devia ter dito desde o início, mesmo sendo um presidente a sair do cargo. Disse numa só intervenção e com toda a certeza aquilo que não foi capaz de dizer em muitas e por meias palavras: que se tinha oposto desde o início a uma ofensiva militar no Iraque. Ora eu não quero ser mesquinha, mas não é isso que ele diz aqui.
E pensar que o ponto fraco de Hillary é o Iraque...
[2]
Os reis, as rainhas, o presidente a bandeira:
Esta semana, um membro da Câmara dos Comuns em Inglaterra voltou a levantar uma questão que não sendo daquelas que fica atravessada na garganta de ninguém, é embaraçosa para a grande nação; ou seja, a bandeira. A bandeira inglesa foi desenhada a partir da heráldica de três das quatro nações que constituem o Reino Unido: a Inglaterra, a Escócia e a Irlanda. O País de Gales nunca foi representado na bandeira inglesa. A história ganhou agora lugar nas parangonas depois da ministra da cultura inglesa ter declarado que estava a considerar o redesenho da bandeira. O problema é que o País de Gales foi conquistado, tecnicamente é um principado e não é independente politicamente desde 1282, altura em que foi conquistado por Eduardo I de Inglaterra. E até 1999 era governado a partir de Londres. Como é um principado, o País de Gales é representado pelo mesmo símbolo que a própria Inglaterra; ou seja, a cruz de S. Jorge, embora o território tenha um símbolo próprio, a cruz de São David (amarela sobre fundo negro). Note-se que mesmo a denominação Wales é de origem germânica e quer dizer “estrangeiro”.
Eu cá não mudava nada. Gales nunca se queixou e tem uma autonomia, língua, cultura, identidade próprias que nunca chocou com nenhuma das outras nações.
- o carteiro -

notícias do mundo da arte:
[1]
Pinar Yolocan é uma artista (?) turca, a viver nos Estados Unidos e que se tornou bastante conhecido graças a este tipo de retrato. Se ainda não conseguiram identificar nada estranho passamos s explicar. Este e outros retratos mostram uma senhora vestida com roupas adornadas por partes do corpo animal como as tripas, as moelas, iscas de fígado ainda sem cebola... As mulheres são brasileiras vestidas com roupas ao estilo dos antigos colonizadores e, neste caso, a retratada está coberta com placenta de vaca. A artista começa a trabalhar poucas horas antes de iniciar a sessão de fotografia para a carne não mudar de brilho nem de cor. Se quiserem ver a carne a cobrir a carne, mas só à distância, é só dirigirem-se à Rivington Arms Gallery em Nova Iorque. Ou podem sempre ir aqui.


[2]
Lembro-me de já ter falado sobre isto no Belogue. Não me obriguem a procurar pelo link porque isso ía dar muito trabalho. (Ok, acabei de vir de uma busca e está aqui o link). Na altura o post falava de um conjunto de quadros de Pollock encontrados num local poeirento e da possibilidade de os mesmos não terem sido pintados por ele. São quadros que compreendem o período que vai de 1946 a 1949, altura em que o pintor começa a aplicar a técnica que o tornou mais conhecido, o dripping, e apesar de já se colocar a questão da autenticidade há algum tempo, cientistas vieram esta semana afirmar que é mesmo verdade: alguns dos quadros não são de Pollock, algo que se soube graças à prova irrefutável do pigmento usado que ainda não existia quando Pollock era vivo. Isto até podia não ser nada de importante, não se desse o facto de Pollock ser um pintor muito bem cotado. Os 32 trabalhos encontrados, e dos quais teremos de retirar alguns por não serem originais como se veio a provar esta semana, se fossem agora avaliados e depois de um trabalho do pintor ter atingido o preço máximo em Novembro deste ano, seriam sobreavaliados. Sobreavaliados, quer dizer... nada lhe retira o mérito, excepto onde ele não o tem, mas os quadros encontrados iriam atingir agora valores muito elevados. Há quem, mesmo assim procure explicações nada razoáveis, mas como toda a gente vê o CSI, tudo é possível. Há quem alegue que os pigmentos podem ter sido comprados antes da morte de Pollock, podem ter sido usados por ele e só mais tarde patenteados. Há quem diga também que se os quadros não são de Pollock, então são as mais perfeitas imitações do artista norte americano. Entretanto, quem estava na posse das pinturas (um amigo de Pollock) já começou a fazer negócio.
- o carteiro -
Esta semana muito se falou sobre casamentos aqui no Belogue. Primeiro com o casamento da Virgem de Perugino e de Rafael e depois com as Anunciações. (Bem sei que uma coisa não vem sempre atrás da outra e ás vezes nem vem). A minha experiência dentro dos casamentos fica-se pelas entradas; ou seja, quando chego à mesa já vou cansada demais para comer. E a comida de casamento é sempre igual (creme de marisco, lombinhos de vitela com puré de batata e esparregado e filetes de pescada à marinheiro. É sempre isto, garanto!), as noivas estão sempre a chorar ou de um lado para o outro a orientar coisas que já estão orientadas (vem no preço, sabem?), as pessoas apanham intoxicações alimentares, as mesas são aborrecidas (será que ninguém nunca pensou em não escolher lugares para outros?) e tudo se atrasa tanto que os casamentos às vezes parecem festas ciganas. Penso até que a festa em si dura mais que certos casamentos. E depois há o problema: nunca brilhar mais do que a noiva, o que não é difícil acontecer.

Dizem que todas as mulheres sonham casar. Eu sonhei uma vez: era Inverno, eu estava de calças de ganga e sandálias e fui ao registo civil casar à hora de almoço. Depois acordei e fui tomar o pequeno-almoço. Assim de olhos abertos e que eu me lembre... não. Mas interesso-me pela história do casamento, pela razão de terem mudado tanto ao longo dos tempos, tendo em conta que é uma tradição avessa a mudanças. Nos funerais não há modas, o cortejo fúnebre não mudou em nada desde que morre gente. Mas os casamentos nem sempre foram assim tão maus. Houve mesmo uma altura em que eram divertidos e todo o cerimonial era diferente. É claro que há variáveis: condição social, época, classe social... No geral, nos casamentos não havia amor. Como sabemos as pessoas podiam casar aos 15 anos sem nunca se terem visto antes. Também ninguém vestia branco: vestia-se a melhor roupa, mas geralmente era o azul ou o rosa, porque como as pessoas eram tão jovens para casar, as cores deveriam acompanhar a idade. As flores não eram obrigatórias e eram levadas em cesto e não na mão. Toda a gente usava luvas, havia um bolo de noiva que deveria dar uma fatia para cada pessoa e as roupas de baixo multiplicavam-se.
Cores
O uso do branco nos vestidos de noiva é uma tradição recente, do século XIX e que deverá ter origem no casamento da rainha Vitória que vestiu branco e que levou várias damas de honor também de branco. Isto criou uma moda que sucumbia a outras modas e às vicissitudes da época. Com a segunda Guerra Mundial certos pigmentos eram mais difíceis de obter, o que levou a que certas cores de vestidos de noiva tivessem de ser “suspensas”. Os tecidos aplicados eram mais fracos, ou menos ricos, mas não era isso que impedia ninguém de casar. As viúvas recentes, por exemplo, deviam casar de cinzento. Hoje, uma viúva recente que casasse teria outro nome. No fundo, os vestidos de noiva, à excepção dos vestidos de noiva reais, eram adaptações para um dia especial de vestidos do dia-a-dia.

Anthony Van Dyck
Mary and William II of Orange
1642
Rijksmuseum, Amesterdão


A festa
Hoje à cerimónia religiosa segue-se à festa, a boda (nome que detesto!) e que geralmente engloba um jantar ou um almoço. Antes, os convidados esperavam a noiva para o pequeno-almoço de casamento. Era às 11 da manhã em ponto e daí seguia-se para a cerimónia religiosa. Após isso, comia-se o bolo e bebia-se vinho em casa da noiva e mais tarde, às 3 da tarde almoçava-se. Havia um ritual que hoje deve ter sido substituído por uma parvoíce qualquer, embora este ritual em si fosse um bocado aparvalhado. Fazia parte da tradição passar um bocado de bolo pelo buraco da aliança. Não sei porquê, deve ser com dar um beijo debaixo da ponte dos suspiros em Veneza. Só que a ponte dos suspiros não tem nada de “romântica” (entre aspas porque não sei o que é que esta palavra quer dizer). No fundo separa o tribunal da cadeia e os prisioneiros ao passarem por lá suspiravam. Isto não parece ter nada a ver com romance, mas enfim...
Os cabelos
A tradição diz que as mulheres que se faziam pintar com cabelo solto eram virgens. E para um casamento católico fazia sentido que as noivas levassem o cabelo solto. Mas não. Quer dizer, não sei se eram virgens, mas a moda da época sobrepunha-se ao orgulho da virgindade; ou seja, a maioria das mulheres levava o cabelo apanhado, com véu, flores (jóias caso a família fosse disso) e em alguns casos uma espécie de chapéu em renda, um toucado. Charlotte Brontë levou os dois, mas não teve grande sorte se era isso que pretendia: morreu no ano seguinte!
Flores
Quanto às flores a tradição foi mudando e muito. Houve uma época em que a noiva levava um bouquet oferecido pelo noivo, mais tarde a noiva não levava bouquet na mão, mas como referido, um cesto ou vários de flores que estavam na carruagem, ao longo do caminho até ao local da cerimónia, mas com um denominador comum: as flores eram em todas as ocasiões, flores brancas.
O Bolo de casamento
Os sabores preferidos eram a amêndoa e a cobertura era a enjoativa icing sugar. Os bolos de noiva não eram decorados com elementos em açúcar. Eram decorados com flores, fitas, folhas e pérolas (para quem pudesse). E no topo do bolo não se colocava o casalzinho abraçado, mas crianças ou anjos. Este elemento decorativo deveria ser utilizado posteriormente no baptismo dos filhos do casal.
O fotógrafo
As fotografias de casamento são uma versão mais cara, cansativa e capaz de provocar mais lágrimas femininas em caso de ruptura, do que a pintura. É que a pintura era só uma, geralmente da cerimónia religiosa ou dos noivos depois de casados. Mas a fotografia, confesso, é muito boa para recordar os momentos não captados pelo fotógrafo. Antes, só as famílias ricas ou reais (que não era a mesma coisa antes e agora muito menos) é que podiam usufruir dos serviços de um pintor neste tipo de cerimónias. Com a chegada da fotografia, mais casais puderam usar este serviço, mas no início não estava ao alcance de todas as bolsas.
Roupa interior
Hoje em dia diz-se que uma noiva deve usar “uma coisa nova, uma coisa dada, uma coisa emprestada e uma coisa azul”. A coisa azul geralmente é interior (eu não estimo muito o azul para roupa interior): uma liga, um fita... quando a noiva perde a cabeça, tudo é azul... Ao início a roupa interior era uma maneira de manter as formas femininas e hegemonizá-las segundo a moda da época. Os corpos tinham de estar espartilhados e não soltos. O espartilho não era objecto de desejo para os homens nem uma peça de sedução para as mulheres: servia para elas terem o corpo disciplinado. Quanto mais o vestido revelava (quanto maiores os decotes ou curtas as mangas), menor o apelo da roupa interior. Quando no início do século XIX os Baletts Russes soltaram o corpo da mulher dos espartilhos para que esta pudesse dançar e quando ela mesma fez isso no seu dia-a-dia, a postura tornou-se diferente, as formas femininas também e a saúde melhorou. Foi também nessa altura que surgiu um novo estilo artístico, a Arte Nova.

Paul Poiret

E agora vou fazer uma boda; uma boda pelo post mais comprido do Belogue.
- não vai mais vinho para essa mesa -

uma vergonha, eu sei. shame on me. mas depois de ter descoberto o Perugino e o Rafael mais o Casamento da Virgem disse para mim que tinha de ter o livro. pior... o "livro" só tem imagens e é mais o catálogo de uma exposição do que uma história do casamento. uma ver-go-nha!

quinta-feira, novembro 29, 2007

- o carteiro -
não é mesmo má vontade. é muito trabalho e um computador que está sempre a dizer isto: "could not complete your request because you're running on low memory". Não meu amigo, não sou eu. És tu que estás a run in low memory. Ainda que a minha inteligência natural seja muito inferior à tua inteligência artificial, aqui quem manda sou eu. Mais, não é um request que isto não é "os dicos pedidos". É uma ordem! Pára de me exasperar e executa, seu ábaco a pedal! Aproveitas as descidas?
- original soundtrack -


Sometimes
A wind blows
And you and I
Float
In love
And kiss forever
In a darkness
And the mysteries of love
Come clear
And dance
In light
In you
In me
And show
That we
Are Love

(Mysteries of love, Anthony and the Johnsons)
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

"Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a Vossa vontade" - ou qualquer coisa assim
A pedido de várias famílias eis um antes e depois com muitos “antes” e muitos “depoises”. E não são os únicos. De onde estes vieram há uma panóplia de Anunciações que respeitam quase sempre este modelo mesmo que eu ainda não tenha compreendido porquê. As descrições bíblicas não apontam para este tipo de composição: a Virgem à direita, o anjo à esquerda, um chão com pavimento, o interior de uma casa em corte para sabermos o que se passa nesse interior…

Eis a minha opinião: sabe-se que a Anunciação foi feita na intimidade; ou seja, não era assunto para ser tratado na rua por isso deverá ter sido feita em casa de Maria enquanto jovem (ainda não era casada, ela própria diz ao anjo e mostra a sua surpresa). Os pintores do Renascimento, até do primeiro Renascimento, procuravam formas de aplicar os seus conhecimentos de perspectiva e proporção e para isso usavam um artifício muito útil. Colocava linhas de pavimento em tudo: uma Crucificação, um pavimento, uma Oração no Horto, um pavimento, uma Adoração, um pavimento. Tanto as cenas de interior como de exterior tinham pavimento, o que por vezes tornava as composições um bocado ridículas. Usavam também a arquitectura, principalmente as colunas e os pilares eu ajudavam a criar o efeito de perspectiva e com isso tornavam as cenas mais credíveis. Acho que não se pretendia que a Anunciação fosse credível para o cristão, pois esse acreditaria nela quer fosse ali, quer fosse passada numa nuvem. Falo de uma credibilidade ao nível da técnica artística. Os artistas precisavam de conseguir retratar a realidade de forma fiel para testarem as suas capacidades. Note-se que a pintura era até aí figurativa. Para além disso e para que se visse esse interior arquitectónico, para que se notasse a capacidade técnica do pintor era necessário abrir a casa, como num corte para que o público tivesse acesso, não à cena, mas à forma irrepreensível como ela deveria estar tratada.

Há mais nomes para além destes, como Leonardo, mas os exemplos são tantos e tantas as variantes que não haveria espaço para falar de todos. Ficam as características gerais. E a intenção.

Domenico Veneziano
Annunciation (predella 3)
c. 1445
Fitzwilliam Museum, Cambridge


Fra Angelico
The Annunciation
1450
Convento di San Marco, Florença



Botticelli
The Annunciation
c. 1485
Metropolitan Museum of Art, New York


Albertinelli
Annunciation
1503
Galleria degli Uffizi, Florença


Carpaccio
The Annunciation
1504
Galleria Franchetti, Ca' d'Oro, Veneza
- não vai mais vinho para essa mesa -

- Amaral, esse é assunto non grato. Para além de privado. A parte da minha vida que interessa para o trabalho não é essa.
(porque é que eu sinto que o tipo quer saber mais do que devia?)
a postagem segue daqui a nada

quarta-feira, novembro 28, 2007

- original soundtrack -
com o vídeo percebe-se melhor a letra

You've got the money maker
You've got the money maker
This is your chance to make it
Out out out oh yeah
You'll get out out out oh yeah

You've got the money maker
They showed the money to you
You showed them what you can do
Showed them your money
Make you get out out out oh yeah
You'll get out out out oh yeah

You are the money maker
She wants to overtake you
You know you wanna make her
Show her your money maker
She said out out out oh yeah
She said out out out oh yeah
You get out out out oh yeah
You get out out out oh yeah

And deep in my hands
I will if you want me to

She is out out out oh yeah
She is out out out oh yeah
You get out out out oh yeah
You get out out out oh yeah

(The Moneymaker, Rilo Kiley)
- não vai mais vinho para essa mesa -

vinho não, mas uma embalagem de álcool... é para curar por dentro, que ainda arde. têm?! obrigada. vai dar jeito para os primeiros dois minutos.
- o carteiro -
Retalhos da vida de um município: cidades geminadas, bicos de papagaio e bicos de obra:
Van Gogh
Fifteen Sunflowers in a Vase
1888
National Gallery, Londres

José Silva tinha trabalhado até à eleição para a fábrica de cordas nas redondezas da cidade a que um dia iria presidir. Fez o mesmo percurso de Maria das Dores, mas primeiramente estava virado para outro partido, para o Partido Comunista e era representante sindical na fábrica. Quando deixou de ser do proletariado graças a um trabalho de tempo inteiro para o segundo partido, foi coerente e deixou o primeiro. Além disso, não lhe pagavam e como secretário, do secretário, do secretário que agora estava como secretário na Câmara Municipal tinha uns trocos maiores para dar início à sua escalada no poder. Tinha o apoio do povo que pelo menos sabia com o que contar, tal como os Médici em Florença, mas sem os mecenatos, as peixeiras adoravam-no, todos lhe “batiam à porta com os pés “ porque tinham as mãos ocupadas com pressentes para o futuro senhor presidente. Não havia adversários que falassem tão bem a linguagem daquela gente e a campanha, e consequente eleição foram um sucesso. Não se esperava outra coisa e a Câmara mudou de cor.

Durante os primeiros dois anos alegou-se que o que o anterior executivo tinha deixado como herança era apenas a ponta de um grande novelo. Nos outros anos fingiram saber dobar. Mais tarde ainda, com o segundo mandato e a cidade a definhar, sem urgências, sem nascimentos registados lá, com uma população com mais de 65 anos que nunca tinha visto uma taxa tão alta, com as obras malucas de enterrar a linha de caminho de ferro que já tinham custado a vida a três pessoas e tinham custado muito dinheiro ao erário municipal, com os grandes problemas de separatismo entre a classe pobre (abaixo da linha) e a classe rica (acima da linha) por aquilo que era considerado um estético muro e que tapava a vista do belo mar, enfim, com tudo isso chegou a vez das cidades geminadas. As cidades geminadas salvavam qualquer eleição tremida, escândalos de favorecimento de terceiros, medidas draconianas para os eleitores… As cidades geminadas eram o éden, principalmente se foorem geminadas com o Rio de Janeiro, por exemplo. É que há muitas cidades no nosso país que se parecem com o Rio de Janeiro!!! Então em altura de eleições, todas são parecidas com o Rio de Janeiro. Volta e meia mais uma levada de senhores com idade para votar mas com poucas exigências naquela altura da vida, voava para o Rio de Janeiro e o “Senhor Presidente que Deus o guarde que é tão bom para nós, que nos leva a passear e levava mais não fosse esta minha artrite, que até vem connosco a esta cidade que é tão parecida com a nossa, nunca tinha reparado, só conhecia das novelas”, acompanhava a terceira idade. Um dia, numa das reuniões semanais com os colaboradores para discutir assuntos correntes foi surpreendido ao entrar na sala por um espírito funesto nos semblantes dos presentes. - Então que se passa, que caras são essas?
- Nada senhor presidente.
- Então se não é nada sorriam que está sol lá fora. Com o nosso clima privilegiado, nem muito frio nem muito quente, deviam sorrir.
- É que não há dinheiro para pagar aos funcionários.
- Ó Orlando, sabe há quanto tempo eu ouço isso? Ainda andava com as mãos rebentadas das cordas lá na fábrica e já ouvia isso. Desde o Romeu Vitorino que é assim. Foram esses tipos que meteram a Câmara assim! Não se exalte! Vocês dizem sempre isso, mas há sempre dinheiro desde que eu estou cá.
- Óbvio! Não queria deixar de pagar aos funcionários! Era só o que faltava!
- Mas o que é que vocês têm? Se estou a dizer que…
- Senhor Presidente olhe bem para mim e veja se compreende: não há dinheiro para pagar aos funcionários. Não há verba de manutenção sequer. Nenhuma parte dos dinheiros aplicados em investimentos nos equipamentos teve retorno.
- "Bah", disse o presidente virando costas. "Vocês estragam logo o dia de um tipo. Vou é geminar outra vez a cidade. Podemos geminar a cidade mais do que uma vez? Passamos a poder."
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou um post para adormecer, ou "a educação de Rafael foi entregue a Perugino porque a mãe e o pai do pintor morreram cedo. O sucesso de Rafael, o sucesso comercial de Rafael deve-se ao processo executivo de Perugino, bem como à sua adaptação ao gosto da época. Perugino pintava por fases que estavam distribuídas entre ele e os seus assistentes. Rafael libertou-se do mestre, mas não da técnica e continuou a pintar e a preparar a tela através de esboços de composição, desenhos de modelos, estudos pormenorizados, modelli (desenhos de apresentação), esboço em tamanho real e passagem para o suporte final. Há a influência de Perugino, mas também de Signoreli e de Pinturicchio (rivais de Perugino. Pinturicchio por exemplo era um dos artistas mais apreciados da época, pois é!)

Perugino já havia tratado o Casamento da Virgem” (até parece que a Virgem se casava sozinha. Razão tinha o Saramago!), 4 anos antes de o mesmo tema ter sido encomendado a Rafael, não em Perugia, mas em Cittá do Castello. Rafael manteve a composição racional, rigorosa e simétrica de Perugino, bem como as expressões faciais tensas das personagens. No entanto, a Virgem e S. José estão em lugares trocados e estão próximos um do outro de forma menos rígida. Há uma harmonia e descontracção maiores na inclinação da cabeça do sacerdote que celebra a cerimónia no quadro de Rafael. Segundo a Legenda Áurea, o Casamento da Virgem teve lugar no Templo de Salomão que tanto Rafael como Perugino tentam reproduzir. Na verdade o que fazem é reproduzir a Antiguidade “mais antiga” que conhecem através dos modelos mais próximos, como era o Templete de Bramante. Deve ter sido essa a principal obra do Renascimento, adaptação do que se fazia na Grécia Clássica melhor conseguida para a Itália do Cinquecentto, que serviu de base para a criação deste fundo. Com a estrutura arquitectónica, mostrando parte do pavimento cujas linhas caminham na direcção dos convidados para a boda e ao colocar os figurantes mais pequenos nos planos mais afastados, Rafael cria um centro composto pelos degraus do templo e pelo pórtico que com as linhas do pavimento forma um cone. O mesmo cone vai abrir-se do outro lado do templo (não sei se conseguem imaginar isso…). Mas enquanto Rafael preferiu a composição circular, Perugino optou por uma composição horizontal, mais típica de um tempo passado. O espaço criado por Rafael é mais aberto, o que nos indica que o discípulo já tinha um maior domínio da técnica que o seu mestre.

Na cena também podemos ver talvez a primeira obra assumida por Rafael: no friso do tempo pode ler-se a inscrição “RAPHAEL URBINAS MDIIII”, que data a obra e lhe dá um criador. As principais figuras em primeiro plano são S. José que solenemente segura o anel o dedo de Maria e traz na mão esquerda as flores símbolo, naquela altura, de que ele tinha sido o escolhido. (Hoje as flores são oferecidas pela noiva à Virgem Maria e o noivo traz na lapela um pequena flor). É neste ponto, noponto em que José coloca o anel no dedo de Maria que a composição se divide em duas partes simétricas. O rapaz que parte um ramo no joelho é um dos que não tendo sido escolhido pela Virgem demonstra maior desagrado. Como podemos ver, uma história bem diferente daquela que nos é contada, ou que nem sequer é abordada pois o casamento da Virgem não é muito falado.

E para terminar tão linda cerimónia, as cores: quentes como os amarelos, o vermelho, e os castanhos, pálidas e sérias como o marfim e um pouquinho frias (para ninguém transpirar na cerimónia) com o azul do céu. Estou a pensar montar a minha empresa de casamentos criativos, porque estes de hoje são um aborrecimento":

Perugino
Marriage of the Virgin

1500-04
Musée des Beaux-Arts, Caen


Rafael
Spozalizio (The Engagement of Virgin Mary)

1504
Pinacoteca di Brera, Milão
- ars longa, vita brevis -
hipócrates


quatro cães e... uma raquete, ou aquilo que podemos encontrar na periferia de uma pintura, ou porque razão se pintam tantos cães, mesmo em cenas como o Nascimento da Virgem, ou o cão é o melhor amigo do homem, principalmente se ele for pintor, ou está na hora de almoçar e eu não tenho fome.


Tiepolo
The Banquet of Cleopatra

1743-44
National Gallery of Victoria, Melbourne



Dosso Dossi
Circe and her Lovers in a Landscape

1514-16
National Gallery of Art, Washington



Van Eyck
Portrait of Giovanni Arnolfini and his Wife (pormenor)

1434
National Gallery, Londres


Velasquez
Joseph's Bloody Coat Brought to Jacob (pormenor)
1630
Monasterio de San Lorenzo, El Escorial


Ticiano
Supper at Emmaus
c. 1530
Musée du Louvre, Paris


Tiepolo
The Death of Hyacinthus
1752-1753
Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid
- não vai mais vinho para essa mesa -

Miguel, a sua previsão astrológica está errada. O meu dia favorável não é hoje porque hoje estou triste. Portanto volte a lançar os búzios que eu fico aqui à espera. Se isto é o melhor que tem para me dar, vamos ter de ter uma conversa com Oxum e Yemanjá. E leve branco que eles não toleram outra cor.
- não vai mais vinho para essa mesa -

Quem o feio ama, bonito lhe parece
Um grupo de terroristas iraquianos, certamente mal fornecidos com o dom da inteligência, resolveram fazer uma reunião para ultimar os preparativos da ofensiva de uma forma muito curiosa. Disfarçaram-se de convidados de um casamento e juntamente com o noivo e com a “noiva” preparavam-se para passar um posto de controlo americano em Bagdad. Ora os soldados americanos que já devem andar fartos, mas não são parvos, desconfiaram de várias curiosidades no cortejo matrimonial: os convidados eram só homens, todos eles estavam nervosos (geralmente os convidados não ficam nervosos, são só os noivos), não respeitaram a primiera ordem para parar e o noivo tremeu quando lhe foi pedido para retirar o véu à “noiva”. Qual e espanto dos soldados americanos quando viram que a bela e virgem noiva era um homem com muito bom gosto para arranjos de flores. O amigo Irão não deve ter ficado satisfeito com a brincadeira, porque os amigos dos meus amigos não têm amigos gays. Nem burros!

terça-feira, novembro 27, 2007

- original soundtrack -

eu também fiquei espantada. não é que a menina anda a gastar o que Jesus poupa?!

(Jesus Saves, I spend, St. Vincent)
- não vai mais vinho para essa mesa -
Mea culpa, mea culpa, mea tão grande culpa. Sim, eu gosto desta música. O que é que foi? Toda a gente tem direito a ser foleira de vez em quando! Vá, gozem à vontade.
- o carteiro -

retalhos da vida de um município - a secretária, as filhas e a banda gástrica

Van Gogh
Fifteen Sunflowers in a Vase
1888
National Gallery, Londres

Maria das Dores ficou viúva na hora certa que Deus a perdoe se é que isto tem perdão, se é que Deus perdoa e se é que a ofensora quer ser perdoada. Para o marido já estava na reserva, mas era ainda necessário educar as duas catraias que seriam de médicas para cima. Na verdade uma tornou-se médica e a outra ficou-se por delegada de propaganda médica, que não sendo a mesma coisa era como se fosse. Maria das Dores tinha começado carreira no partido: era secretária da escola, o marido pertencia ao partido, a princípio ela ia às reuniões para não dizer que não, para falar com as outras esposas, dar uns bitaites porque “as coisas assim não podiam ser”, controlar o seu gado não fosse alguma abelhuda querer ficar-lhe com o membro viril e a pensão, ainda arranjava mais alguém com quem dividir a herança, valha-nos Deus, bate na madeira. Na madeira. Isso não que é MDF e ainda dá mais azar. Madeira, isso, sim. Pronto.
E um dia o marido morre-lhe com um cancro na língua, um desgraçado que para o fim da vida e já sem língua ainda praguejava contra o sistema de Governo. Ela apanhou-lhe o discurso e o lugar no partido que em cidade tão pequena acabava por ser de grande importância. Ela era agora Dona Maria das Dores, viúva, mãe de duas raparigas, secretária da escola primária e segunda vogal da lista concorrente às eleições autárquicas do município pelo partido da oposição. E não é que na noite das eleições o partido ganhou! Como em terra de cegos, quem tem olho é rei, e em terra pequena também, o partido ficou-lhe grato e já instalado o novo executivo não tardou muito a que se instalassem as pessoas certas nos lugares certos: a filha do Sr. Orlando estava um pouco por toda a parte porque o rapaz não tinha canudo e assim ficava difícil, a filha da Dona Teresa da Tesouraria estava responsável pela Academia de Música porque tinha tirado o curso de Contabilidade e embora a Academia respondesse directamente à Câmara,… era um curso que dava sempre jeito, Chegou a hora da das Dores que foi presenteada com o espectacular, milenar, enigmático e muito desejado cargo de Secretária do Sr. Presidente. Depois dela entrou o sobrinho da própria que estava lá dentro como engenheiro alimentar a controlar o ar que passava muito depressa e o que passava muito devagar, e a filha do presidente que entrara para o lugar de psicólogo, aberto no ano em que a moça terminou o curso e que lhe permitia “auscultar as fragilidades da população”. A morte do marido dava jeito porque, não caminhando das Dores para nova como se disse ainda dava cabo de umas boas solas de sapatos, pelo menos assim o achava. E não lhe tendo querido mal em vida não achava mal o bem da sua morte.

Como achava que ainda fazia qualquer um gastar umas solas de sapatos dirigiu-se um dia nestes termos à secção do pessoal:
- Olha, podia falar contigo?
- Claro das Dores, diz.
- Eu queria saber se a ADSE comparticipa uma operação.
- Depende… Mas passa-se alguma coisa?
- Não. Quer dizer, tu sabes o meu historial. As minhas duas irmãs morreram com diabetes e de diabetes. Eu queria colocar uma banda gástrica e tirar o “avental”. Achas que eles comparticipam?
- Cirurgias estéticas não são comparticipadas.
- Não é cirurgia estética!
- És obesa.
- Eu não, desde quando é que eu sou gorda? Eu estou aqui para as curvas. Só precisava de afinar. Sabes que na minha posição, atender telefones e tal, a imagem é tudo.
- Não é comparticipada Maria das Dores.

Das Dores já toda ela dada a um sentimento que não se assemelhava nem à dor nem à piedade, que não tinha nada de cristão e estava mais para pecado mortal, disse à secretária estagiária quando a viu a telefonar para o Hotel Sol Azul:
- Que estás a fazer? E desligou-lhe o telefone.
- Eu estava a ligar para o Hotel Sol Azul como pediu o Senhor Presidente. Era para marcar um jantar com vinte e …
- Já sabes que essas coisa são comigo.
- Mas ele pediu-me.
- Ele pediu-te porque eu não estava aqui. Esses assuntos são comigo.
Vai daí, pega no telefone:
- Estou sim, presidência da Câmara de XXXXX. Aqui fala a secretária do Sr. Presidente. Olá como está. Sim, sim, adorei os bolinhos. Estava a pensar se neste fim de semana em que vai haver o jantar, se não me podia arranjar mais uma caixinha dos de côco… Oh claro, e o Hotel Sol Azul será sempre a minha referência para o Sr. Presidente.
- o carteiro -

Cate Blanchett na capa da I-D deste mês. Renovada a posição dentro das mulheres mais bonitas e preferidas pelo Belogue. Quanto aos senhores queria confessar o meu erro ao incluir o Adrian Brody. Retiro-o e não o substituo por ninguém.
- o carteiro -
Não é um antes e depois, é um “carteiro” para os apreciadores, não apreciadores e assim-assim d’ “A Ronda da Noite” de Rembrandt. Era para ser um antes e depois por causa deste trabalho de um jovem artista brasileiro, mas A Ronda Noite, dizem, merece muito mais. Eu continuo a achar que não e se tivesse aqui a senhora professora Maria João Ortigão (sim, da família), já tinha sido fuzilada com o olhar. Ainda assim vale a pena dizer que o quadro de Rembrandt é importante, ou pelo menos, famoso em parte pelo seu título. A Ronda da Noite foi um título dado já no século XIX por especialistas em arte que procuravam uma mensagem subliminar na obra. O título que hoje deveria vigorar seria 'Company of Frans Banning Cocq and Willem van Ruytenburch', remetendo a acção e o protagonismo para duas famílias de oficiais que de facto existiram no século XVII. A pintura em si não tem nada de especial; alegam que o que a torna especial é o contraste de luz e sombra que puxa para o primeiro plano umas personagens e empurra para planos secundários outras. Nada que a própria perspectiva já não fizesse há muito tempo… Há também a importância da expressão. Nada me disse, mas este grupo parece que está num palco, actuar, estão em acção mas também posam um momento para a fotografia que fará a capa do folheto do espectáculo. Rembrandt colocou propositadamente as personagens de forma individualizada, sem ligação entre elas, de modo a que pudéssemos pensar que cada uma desempenha um papel fundamental e muito diferente da personagem que lhe está ao lado. Os seus gestos são de espanto, surpresa, de acção iminente, mas como se encontram todos de frente para quem vê o quadro, perdem a sua dinâmica, não há linhas diagonais, ninguém está de costas, ninguém assume uma posição mais importante que ninguém, apesar de já conhecermos quem “manda” no quadro, quem orquestra a acção. Com orquestra ou sem orquestra, este quadro está mais para Cavalleria Rusticana do que para Prima Donna. (desculpem-me os puristas).

Rembrandt
Nightwatch
1642
Rijksmuseum, Amsterdão

A fotografia do brasileiro Reginaldo Gonçalves foi a vencedora de um passatempo patrocinado pela Rádio Nederland, que premiava artistas que fossem buscar inspiração á técnica, temática u espírito das obras de Rembrandt. Reginaldo Gonçalves pintou uma Ronda da Noite “à moda do Ga” e explica porque é que a fotografia encenada faz sentido: no Gana são comuns as asociações e grupos de pessoas que vigiam as ruas. Ele próprio é membro da Companhia Asafo que toma conta da segurança, paz e ordem das ruas do país. Assim, os trajes holandese são substituídos por trajes típicos do Gana (aqueles que vemos em amarelo, em verde e em vermelho). Cada cor representa não só a hierarquia, mas também as diferentes companhias e os diferentes povos do Gana. O capitão e o tenente de A Ronda Nocturna são substituídos por dois tenentes da Asafo. Uma boa ideia (que não sei se foi adaptada depois do anúncio do vencedor) e que valoriza o próprio país. O vídeo da vitória está aqui.

Reginaldo Gonçalves
Ghanaian Night Watch
2006
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "Branca de Neve da Disney, aquele ser imaterial sem pecado que pecou porque vivia solteira e sozinha com sete homens que lhe davam pela cintura e Rachel Weizs a fazer de Branca de Neve, fotografada por Annie Lebowitz para Year of Million Dreams, campanha publicitária da Disney (esta é a segunda fase da campanha):

Walt Disney
Branca de Neve


Annie Leibovitz
Branca de Neve
Parabéns ao desproposito. Presente.

segunda-feira, novembro 26, 2007

- original soundtrack -

Jimi, com esta voz, com esta letra, ela fica mesmo para a História:

He left no time to regret
Kept his dick wet
With his same old safe bet
Me and my head high
And my tears dry
Get on without my guy
You went back to what you knew
So far removed from all that we went through
And I tread a troubled track
My odds are stacked
I'll go back to black

We only said good-bye with words
I died a hundred times
You go back to her
And I go back to.....

I go back to us

I love you much
It's not enough
You love blow and I love puff
And life is like a pipe
And I'm a tiny penny rolling up the walls inside

We only said goodbye with words
I died a hundred times
You go back to her
And I go back to

Black, black, black, black, black, black, black,
I go back to
I go back to

We only said good-bye with words
I died a hundred times
You go back to her
And I go back to

We only said good-bye with words
I died a hundred times
You go back to her
And I go back to black

(Back to black, Amy Winehouse)
- não vai mais vinho para essa mesa -

[1]
Os valores estéticos abrem portas para os valores éticos? Os exemplos no sentido do “não” multiplicam-se: Dostoievski, Castiglione... E diria Gauguin, mas um homem não pode ser perseguido por ter ido atrás do seu sonho, mesmo deixando para trás a família. Além disso, “entre marido e mulher ninguém mete a colher”.
[2]
apontei na lista: sapatos, roupa interior, creme de corpo, vontade...
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "penso que há outro quadro de Rembrandt que foca mais esta cena, sem os figurantes à volta. Claro que aí deixaria de ser a aula do senhor Tulp para ser uma autópsia, mas achava que havia. Há um outro em que o morto está com a cabeça aberta, mas também não é esse. Fico-me por este, à falta de melhor, se é que se pode pedir melhor de Rembrandt. Por acaso pode: porque é que deifica a “Ronda da Noite e este “Lição de Anatomia”? O simbolismo atrás do primeiro não é assim tão evidente, as suas dimensões gigantescas não são as únicas no mundo, o realismo na técnica não é apanágio de Rembrandt. Claro que o prefiro a Rubens, mas o seu protestantismo, que não esta latente nas pinturas não-religiosas, não justifica nada. Compreendo a aura que certa obras adquirem com o tempo, talvez por causa do seu passado, mas a Ronda Noite é um daqueles quadros onde não encontro a mística.

As fotografias de Robert Wilson também não me são especialmente caras, mas como gosto de um bom “antes e depois”, tinha de colocar aqui a relação com Rembrandt. Este post bem se podia chamar “hás-de me mostrar o teu caixote do lixo”:

Rembrandt
Doctor Nicolaes Tulp's Demonstration of the Anatomy of the Arm
1632

Mauritshuis Museum, The Hague, Holanda


Robert Wilson
Robert Downey Jr.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

Suspeita até dizer chega, posso dizer que gosto muito deste Caravaggio (mas qual é o Caravaggio de que não gostas?, pergunto-me). Parece simples, inofensivo, até enjoativo, pintura de corredor para pendurar por cima de uma cómoda cheia de fotografias dos netinhos em molduras que ficam a dever muito ao bom gosto. A casa a cheirar a bolinhos de bacalhau, a cão (um caniche) e a “lavage”, porque nestas casas há sempre muito asseio.

Mas a “Fuga para o Egipto” é realmente muito bonita não por aquilo que conta, mas pela forma como o faz e a razão pela qual é pintada. A “Fuga para o Egipto” foi uma das passagens apócrifas que sobreviveram ao Concílio de Trento. Não tem lugar na Bíblia, mas tal como a morte da Virgem, ou de Santa Ana, não foi questionada e passou a fazer parte da biblioteca de qualquer cristão. Mesmo que um cristão qualquer como a minha avó não soubesse, quando ainda falava e estava na posse de todas as suas capacidades mentais, que Santa Ana era mãe da Virgem Maria. Caravaggio pinta esta cena individualizando cada uma das personagens usando para isso a figura de um anjo com panejamentos sugestivos que se coloca entre São José (do lado esquerdo da pintura, a segurar a pauta musical para o anjo, andrajoso como um pedinte, com o vinho à mão e a cabeça ao mesmo nível da do burro que surge por trás) e a Virgem Maria que segura o menino a dormecido. O fundo foi feito à moda de Giorgione, mas muito melhor, se é que isto se pode dizer, mas há uma alusão às paisagens do século XVI). Não sei se era o que Caravaggio pretendia, mas toda a envolvência do quadro provoca-nos sono, vontade de, como eles, tirar uma sesta. Para revestir a cena de mais realismo foram pintados pormenores com as folhas e as pedras. Coloca também na obra o anjo cuja figura, importância e uso também pode ser encontrada na pintura “A escolha de Heracles” de Annibale Carracci. Não é o mesmo anjo, mas é uma figura que divide a pintura da mesma forma.


Caravaggio
Rest on Flight to Egypt

1596-97
Galleria Doria-Pamphili, Roma

O anjo toca "Quam pulchra es...", de Noël Bauldewijn, uma composição do Livro Cântico dos Cânticos (7,7); ou seja, o momento do diálogo entre o noivo e a noiva que neste caso seriam à primeira vista José e Maria. Só ques estes dois não podiam ser mais a antítese um do outro do que aquilo que são: José parace muito mais velho que a noiva e esta não lhe terá sido exactamente fiel. Veja-se como ela é ruiva (uma Virgem ruiva é uma novidade) e o seu filho tem o cabelo entre o ruivo e o louro. Há mais intimismo entre mãe e filho do que entre noivo e noiva. O principal tema da pintura também não é a fuga para o Egipto (“E, tendo eles se retirado, eis que o anjo do Senhor apareceu a José em sonhos, dizendo: Levanta-te, e toma o menino e sua mãe, e foge para o Egipto, e demora-te lá até que eu te diga; porque Herodes há de procurar o menino para o matar. E, levantando-se ele, tomou o menino e sua mãe, de noite, e foi para o Egipto. E esteve lá, até à morte de Herodes, para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor pelo profeta, que diz: Do Egipto chamei o meu Filho. Morto, porém, Herodes, eis que o anjo do Senhor apareceu num sonho a José no Egipto.” – Mateus, 2, 13-19)

Eu diria antes que o tema do quadro é a música e como ela se transforma no meio de comunicção entre Deus e os homens. Se Deus fala com os homens através de anjos, e estes falam aos homens de música, logo a música é o tema. É o tema que liga o mundo celestial ao mundo terreste. É também o anjo que separa o mundo celestial do mundo terrestre; ou seja, o mundo de S. José do da Virgem Maria.

Annibale Carracci
The Choice of Heracles
1596
Museo Nazionale di Capodimonte, Nápoles

- o carteiro -
Old Albion is reeeeealy old:

[e sai um orçamento para o tecto do Buckingham]
O Palácio de Buckingham pediu ao governo inglês verba para reparar o tecto que cobre a sala das pinturas: parece que chove lá dentro, sobre os Rembrandt’s, os Holbein’s, os Rubens e outros, muitos mais, os melhores. E como está aberto aos visitantes todo o ano, convém não descuidar. Aliás, “mas convém não descuidar”, porque ao que a chuva andou lá perto. Não danificou nenhuma pintura, quer dizer, não fez danos irreparáveis, mas as obras nos telhados são necessárias com urgência (o telhado que dá para o exterior, um telhado de vidro e o telhado interior). A velha Albion está toda a precisar de obras: o tecto do Castelo de Windsor do Victoria and Albert Mausoleum em Windsor e obras na pedra do Palácio de Buckingham. Estes edifícios não têm receita própria.

[ó fáxavor, era alguém com dois neurónios para a Abadia]
Já na Abadia de Westmisnter o que tem provocado estragos tem sido o calor e não a chuva, o que é de espantar com o “calor” de Londres. O calor das velas e das luzes está a estragar a cadeira de coroação de 1296 e usada para as coroações (mais ou menos… não se usa bem o trono assim como não se usa bem a coroa. Em monarquia estes símbolos de poder são usados apenas em cerimónias como as coroações. No resto do tempo são meros ex-libris) desde 1308. O painel central do trono não está a resistir às mudanças de temperatura (muito calor no interior da Abadia que reduz a humidade relativa). Mas não é só o painel da cadeira de coroação; outras madeiras estão a ser afectadas e entre estas encontram-se algumas que são consideradas as mais importantes de Westmisnter. Felizmente algumas das pinturas foram “copiadas” para outro suporte por William Blake (sim, esse mesmo) já em 1775. O que me espanta é não terem pensado nisto há mais tempo, e não falo das alterações do clima global. Qualquer local deste tipo tem de ter um sistema de monitorização de temperatura e humidade, de regulação destes dados, tem de haver preocupação com a luz directa do sol, com o fumo das velas… Vão-me dizer que nunca pensaram nisso?
- o carteiro -

retalhos da vida de um município

National Gallery
Fifteen Sunflowers in a Vase
1888
National Gallery, Londres

- Ó Maria Luísa, isto não bate certo?!
- O quê?
- Estive a ver aqui as horas extraordinárias do Zé...
- Que Zé?
- O José Castanheira, o pai da Raquel.
- ...
- O responsável pelo pessoal dos serviços de higiene e limpeza...
- Ah, o Zé! Diga.
- Ele não é fiscal, mas é chefe do pessoal, por isso aplica-se-lhe a regra que diz que um chefe só pode meter uma hora diurna e uma nocturna, não é?
- Sim, porquê?
- Porque ele anda a meter às cinco e seis horas nocturnas e diurnas. Diz que sai às duas da manhã e entra às seis. Eu não quero ser mesquinha, mas um homem que faz isso todos os dias da semana, quer dizer que dorme cerca de quatro horas por dia, cinco dias por semana. Como é que ele aguenta?
- Corte-lhe as horas, dê-lhe apenas uma hora diurna e uma nocturna e avise-o.
- Já fiz isso.
- E ele que disse?
- Que vai com a Câmara para tribunal.
- Pois que vá e que perca porque não tem razão.

Entretanto o Zé telefona. Que era muito trabalho, que ninguém imaginava que no dia do concerto do Quim Barreiros nem tinha ido à cama...
- No concerto do Quim Barreiros?
- Sim, no concerto do Quim Barreiros!
- Mas tu fiscalizas o pessoal da limpeza! O que é que o concerto do Quim Barreiros, ainda por cima antes do concerto, tem para tu fiscalizares.
- Eu quero tudo limpo!
- Zé, e eu quero tudo claro.
- Mas não vês que as horas que tu apresentas mostram que só dormes quatro horas por noite?
- E depois?
- Homem, tu tens apeneia do sono, tens bronquite, tens alergias... como é que uma pessoa nessa condições aguenta.
- Eu levo o meu trabalho muito a sério!
- Eu também.
- Tens de ver se está tudo limpo à noite, que os funcionários não deixaram ruas por varrer lixo por recolher, se não há nada vandalizado...
- Zé, tu és encarregado do pessoal da limpeza, não és o mordomo do Sonasol!

sábado, novembro 24, 2007

too black to back

sexta-feira, novembro 23, 2007

- original soundtrack -
oh-my-god, como eles eram...

The first time I saw lightening strike
I saw it underground
Six deep feet below the street
The sky came crashing down
For a second that place was lost in space
Then everything went black
I left that basement burning
And I never went back

The second time I saw it strike
I saw it at sea
It lit up the fish like rain
And rained then down on me
For a second that boat was still afloat
Then everything went black
I left it underwater
And I never went back

Hey hey hey!!!
But I like it when that lightening comes
Hey hey hey!!!
Yes I like it alot
Hey hey hey!!!
Yes I'm jumping like a jumping jack
Dancing screaming itching squealing fevered
Feeling hot hot hot!!!

The third time I saw lightening strike
It hit me in bed
It threw me around
And left me for dead
For a second that room was on the moon
Then everything went black
I left that house on fire
And I never went back

Hey hey hey!!!
But I like it when that lightening comes
Hey hey hey!!!
Yes I like it alot
Hey hey hey!!!
Yes I'm jumping like a jumping jack
Dancing screaming itching squealing fevered
Feeling hot hot hot!!!

(Hot, Hot, Hot, The Cure)
- o carteiro -
Breves:
- Prémio para Best-Designed European National Newspaper of the Year para Eleftheros Typos (o ano passado foi para o Expresso)


- A capa da vergonha (on line, não há outro jornal inglês que faça menção ao caso)


- as capas vencedoras. A do New Yorker vê-se em duas fases: primeiro a páginaem branco e depois a ilustrada: o homem caminha num fio imaginário que passa por cima do ground zero. A da Time é assertiva e muito simples. É, como o animal, uma capa lenta: não desaparece da memória.


- não vai mais vinho para essa mesa -

muita imagem, pouco texto porque não tem havido tempo. e teria o rabiosque quadrado se não fosse o esforço para não o ter. hoje a Isabel suspirou fundo e disse:
- ai minha nossa senhora que não me apetece fazer nada.
- então isabel? o que é isso?
- não me apetece fazer nada. sabes o que é nada? é que me apetece fazer. até me sinto a sangrar por dentro. toda eu sou dor!
- ó anjo de candura, ó flor do santo sacrifício do senhor, ó luz das almas puras, que se passa contigo?
- eu até me atirava da ponte...
- se ela não fosse muito alta e a água não estivesse muito fria, não é?
(eloquente!)
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Nem todas as obras têm o melhor tratamento, embora todas o mereçam. E não faço distinções de estilos nem períodos, embora reconheça que talvez seja isso que leva a que umas “sejam filhas e outras sejam enteadas”; ou seja, umas ocupam bonitas paredes de uma casa ou de um museu com todas as condições, são alvo de estudos e tratamentos sempre que aparece uma doença, e outras estão em sótãos, em museus de província (discutível esta denominação, eu sei), servem para apodrecer, decoram locais poierentos e algumas têm até um segundo uso. Mas agora, depois de muitos anos e muitas obras perdidas (nem fazemos ideia do que existia antes da segunda guerra mundial e o que existe agora), uma equipa fez o levantamento, tratamento e apresentação ao público (na National Galery em Londres ) das obras negligenciadas. Essa equipa era composta por 25 “detectives de arte” (que inveja!) e durou três anos, mas trouxe à luz do dia tesouros e historias inimagináveis. O objectivo era encontrar 8 mil obras de arte perdidas e, apesar de desconhecer o número das encontradas, sabe-se que em exposição estarão 8. 8 obras estudadas ao milímetro e que por isso merecem especial atenção. O facto de não terem sido encontradas antes deve-se à existência de um corpo capaz dentro dos mais pequenos museus que perpetuava documentos e mantinha a memória das obras viva. Com o tempo as pessoas foram sido substituídas por outras e esse testemunho não foi passado ou foi perdendo importância dentro da orgânica do museu. A exposição estará na National Gallery até 10 de Fevereiro do próximo ano (ainda têm tempo) e chama-se: Discoveries: New Research into British Collections.

[1]
A primeira pintura é de Panini e não há certezas quanto ao ano de criação da obra, podendo este situar-se entre 1729 e 1730. Era típico de Panini a pintura de vistas arquitectónicas fantasistas, irreais ou de arquitecturas efémeras, muito típicas de situações de Estado. Neste caso há uma coluna pintada que esteve na Piazza navona na celebração do nascimento do filho de um rei francês. Pensa-se que o pintor terá sido contratado pelo rei de França para executar a obra. Obviamente não há imagem desta pintura, mas duas outras muito semelhantes etão no Louvre e em Dublin.

[2]

Outra das obras em destaque é de Nicholas-Edward Gabe e chama-se The Barricade at Porte Saint –Denis, uma cena típica e iconica em que uma mulher avança nas barricadas. Terá sido pintada por volta de 1848 e tem muito do espírito da Revolução Francesa, embora não seja apenas simbólica: a mulher ali representada é um símbolo, mas também real e tomou parte dos incidentes nesse local. E ainda é mais pungente porque a mulher em questão apenas conseguiu erguer a bandeira antes de ter sido atingida por uma bala do exército. A mulher não é a personificação da liberdade, mas representa-a ao erguer a bandeira depois de tantos dias de um lado da barricada.

[3]

A Morte de Cleopatra de Benedetto Gennari é de 1886 e parece ser dos poucos quadros que está disponível on line ao leitor que não irá a Londres. Mostra a morte da rainha do Egipto, entre eros e o tanatos, com o sangue a escorrer-lhe. O quadro nem devia estar mal acondicionado no Victoria Art Gallery in Bath, mas como o tema era muito comum na época, não foi explorado um filão importante: Gennari era um pintor de temas religiosos, não históricos ou mitológicos, o que torna o quadro passível de uma análise e exposições mais profundas. Aliás, Gennari trabalhou para a esposa do rei Carlos II, um católico devoto. Uma explicação dada para esta mudança na temática é o dinheiro. Provavelmente Gennari estava a precisar de dinheiro e de um mecenas e para o conseguir terá pintado esta Cleópatra com o objectivo de agradar um conselheiro do rei.
[4]
É de cerca de 1500 esta Sagrada Família de Gianfrancesco Maineri, uma de quatro pinturas que Maineri pintou sob esta temática. Ao princípio parecia apenas aquilo que o título indica, mas após uma análise foram descobertas uma série de sinais que escondem o verdadeiro significado da pintura, bem como outros significados para a mesma. Por exemplo (sem a imagem fica mais difícil explicar), a esfera de vidro que a criança segura pode querer dizer que Cristo é uma figura de proa; a Virgem segura um véu transparente que pode remeter-nos para o “véu da carne”; ou seja, a referência à fisicidade humana em contraponto com a divindade do Criador.

[5]

Até cerca de 1980 este retrato raro de Rubens na sua casa em Antuérpia (atribuído a Anton Gunther Gheringh), segundo se sabia, executado entre 1645 e 1675, estava pendurado na parede de um hall num centro de detenção em Buckinghamshire e muitas vezes servia de quadro para as mais diversas actividades. Mais tarde o centro tornou-se um Museu e o quadro ficou num armazém do mesmo. Quando restaurado e tratado das muitas mazelas que tinha, o quadro mostrou uma bela realidade: tinha pormenores da casa de Rubens restaurada no século XIX, como frescos no exterior do edifício, que foram desenhados pelo pintor. O melhor é que os especialistas atá aí só tinham esboços dos frescos, nunca uma versão a cores das pinturas e por isso, graças ao quadro, puderam concluir que havia mármore no exterior da casa, entre o primeiro e o segundo andar. O quadro chama-se Courtyard at the Rubenshuis porque o termo “Rubenshuis” se refere a qualquer coisa relacionada com Rubens como é comum em outros quadros.

[6]

The Ark on Mount Ararat de Filippo Palizzi esteve durante muito tempo exposto na Falmouth Art Gallery e era muito visto devido à fácil identificação do tema: a arca de Noé, os animais, a cena bíblica em si… Aparentemente o quadro não tinha nada de especial, até que uma investigadora descobriu existir um quadro muito semelhante no Museo del Capodimonte em Nápoles, mas de maiores dimensões, quase o dobro do tamanho. Este segundo quadro foi encomendado por Vittorio Emanuele II, que era à altura Rei da Itália, e a relação entre os dois é tão próxima, são tão parecidos que se partiu do princípio que um se desenvolveu a partir do outro. A versão de Falmouth seria então a versão preliminar, um esboçi para a versão napolitana e também terá dado o mote a outros dois tabalhos de Palizzi que neste momento pertencem a colecções privadas.

[7]
Impressiona-me este Luca Giordano estar na lista, porque ao contrário dos outros nomes que me eram desconhecidos, o de Luca é familiar. A morte de Séneca, o conselheiro de Nero é um tema muito trabalhado, talvez por ter sido acusado de conspirar a morte de Nero, talvez por se ter suicidado. O momento do suicídio é sempre o preferido dos pintores. No entanto, só muito recentemente é que este quadro, que terá sido pintado entre 1650 e 1675, foi atribuído a Giordano com certeza graças à análise da sua assinatura. Até aí, e como a sua proveniência não era conhecida, nem o nome do seu autor era dado como garantido, o quadro acabou num armazém do Bolton Museum and Art Gallery. Há uma versão do mesmo quadro e do mesmo autor no Louvre.

O que esta iniciativa conseguiu foi, para mim, invejável. Primeiro porque fizeram exactamente aquilo que eu gostaria de fazer: investigar obras de arte. Depois porque devolveram a vida a quadros que o mereciam, não pelo possível valor no mercado, mas porque todos os que se encontram nestas condições o merecem. Por fim, porque ao exibirem-nos dão-lhe o mesmo valor que cópias (ou estes é que seriam as cópias) de quadros encontrados em museus com mais visibilidade permitindo assim fazer um rastreio intensivo deste tipo de quadros que se multiplicam sem haver disso qualquer registo.